Artesãs da Associação Café com Arte, em Petrolândia (Sertão de Itaparica), estão contando os meses para desembarcar em Paris. Em outubro, vão 'levar na mala' uma coleção exclusiva com 12 pares de sapato de couro de tilápia para desfilar na capital mundial da moda. O produto pernambucano chega ao país pelas mãos da curadora Diva Pavesi, presidente da Divine Academie, que expõe artistas brasileiros no Carrossel do Louvre.
A produção artesanal sertaneja vai dividir a passarela com dois desfiles de alta costura de estilistas internacionais e com uma grife de perfumes, em um dos hoteis mais luxuosos de Paris, o Four George V.
Dar visibilidade aos calçados é o primeiro passo para trilhar o caminho da comercialização no mercado internacional. Em maio, o cantor de pagode Rodriguinho participou de uma turnê na Europa usando um tênis totalmente produzido em couro de tilápia, com as cores do Brasil. Esse tipo de marketing é uma vitrine para os produtos.
Entusiasmada com o projeto, Diva Pavesi acredita que os sapatos vão fazer sucesso. "Estamos falando de um produto original, genuíno, raro. O que parece ser um artesanato simples pode se transformar em um produto de luxo, com design europeu", acredita.
No início de julho, Diva esteve em Petrolândia para conhecer a Associação Café com Arte e o Projeto Valorizando a Pele, que transforma o couro da tilápia em acessórios e calçados. A curadora passou vários dias com as artesãs, apresentando as tendências da moda francesa, as cores e os modelos de sandálias, sapatos e botas que estão em alta no mercado parisiense.
Os sapatos serão criados pelo designer sertanejo, Cláudio Costa, e produzidos pelas artesãs.
"Primeiro o mundo precisa conhecer o que se faz em Petrolândia, porque é o marketing comercial que gera engajamento. É por meio do marketing que se consegue difundir o produto e buscar parceiros. O próximo passo será, por meio da minha empresa Divini Business Internaconal (DBI), contactar galerias e outros canais de comercialização", afirma Diva, adiantando que tem planos de levar os sapatos de tilápia para a Paris Fashion Week 2023.
Produto local e sonho internacional
Na história do artesanato com tilápia tudo parece ter um toque mágico. A artesã Maria de Fátima Barbosa de Belém (carinhosamente conhecida na região por Fafá), 64 anos, vendia café e artesanato quando percebeu a quantidade de couro de tilápia que era tirado dos peixes no mercado público e jogado no lixo.
"Eu ficava imaginando se aquela pele não poderia se transformar em algum produto ao invés de ser descartada. Levamos a ideia para o então Ministro da Ciência e Tecnologia da época, Eduardo Campos, e o negócio foi andando", conta Fafá.
Foi um longo caminho desde a ideia inicial até as primeiras produções. O ex-ministro e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, morreu em um acidente aéreo em 2014, mas em 2019 o programa Valorizando a Pele resgatou a missão, por meio da Secretaria do Trabalho, Emprego e Qualificação do Estado, que ofereceu apoio às artesãs da produção à comercialização dos produtos.
“Este é um dos projetos apoiados pela Secretaria do Trabalho que mais me emociona. Quando eu estive em Petrolândia ouvi os relatos das mulheres e a alegria pelo apoio do Governo do Estado, porque muitas que sofriam de depressão e enfrentavam dificuldades dentro de casa. Hoje, eles têm sua própria renda e estão com a autoestima resgatada. Todas e todos as envolvidos não têm apenas talento, possuem comprometimento”, diz o secretário da pasta, Alberes Lopes.
O programa beneficiou os municípios de Floresta, Petrolândia e Tacaratu, mas a Associação Café com Arte, comandada por Fafá teve destaque. Além da secretaria, o programa também tem apoio do Sebrae-PE.
"A Associação Café com Arte foi criada em 2003, reunindo cerca de 30 mulheres que produziam os mais diversos tipos de artesanatos, desde bonecas, crochê, tecidos, macramê, fitas e palha de ouricuri. Mas o que nós queríamos era encontrar um produto que tivesse a identidade de Petrolândia", recorda Fafá. E conseguiram. A tilápia é um símbolo do município, banhado pelas águas do Lago de Itaparica e do rio São Francisco. A cidade é a segunda maior produtora de tilápia de Pernambuco, atrás apenas da vizinha Jatobá.
A Associação Café com Arte beneficia o couro da tilápia e outros tipos de couro, como o de cabra e boi, que se transformam em peças como sapatos, sandálias, bolsas, carteiras, mochilas, cintos, chaveiros, bijuterias, entre outros. Ao invés de incinerar o material, os piscicultores armazenam as peles para doar às artesãs. As peles passam pelo curtimento, pigmentação, design, modelagem, corte e costura até ganhar a forma de calçados e acessórios.
Fafá adianta que a comercialização acontece em feiras pelo Brasil. Agora, inclusive, a Associação estava participando da Fenearte, no estande da Prefeitura de Petrolândia. Os sapatos das mulheres do Sertão de Itaparica também já participaram de feiras em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
Atualmente, 11 mulheres são responsáveis pela produção de 24 sandálias rasteirinhas por dia. Segundo a artesã, os preços variam de R$ 60 a R$ 185, no caso das rasteiras e, a partir de R$ 120, para os modelos de salto alto.
Agora, o desafio da Associação é adaptar o design e a produção para o desfile de Paris e o cobiçado mercado internacional. "É um sonho o que estamos vivendo. Nunca imaginei que o couro de tilápia que um dia vi no lixo e sonhei transformar em produto, vai participar de um desfile em Paris. Estamos muito felizes e gratos a todos que fazem parte dessa história", destaca Fafá, que vai acompanhar o desfile na Europa junto com a artesã Gilmara Dias, também da Café com Arte.
Ao longo dos últimos anos, o artesanato vem transformando a vida das mulheres de Petrolândia. A população do município que viveu o trauma das inundações e enfrentou problemas como altos índices de suicídio e depressão, vem encontrando caminhos para transformar essa realidade.
A estreia no mercado internacional será um caminho para aumentar a renda das mulheres artesãs e contribuir para o desenvolvimento da cidade.
"O desfile será uma oportunidade de realizar sonhos, de transformar em renda produtos feitos pelas mãos de ouro dessas artesãs, mulheres incríveis que são luz", observa Diva. Radicada há 34 anos na França, Diva é cidadã franco-brasileira e uma espécie de "embaixadora" da cultura e dos projetos sociais do Brasil no país europeu. Pelo visto, as artesãs de Petrolândia não poderiam ter melhor madrinha. Ou será fada-madrinha?
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