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Agro, o trator da economia brasileira, empurra o PIB a um crescimento de 1,9%

Nos últimos anos, tornaram-se recorrentes notícias de que o agronegócio puxou, ou até "salvou", o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todo o valor gerado na economia) brasileiro

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Publicado em 01/06/2023 às 22:59 | Atualizado em 02/06/2023 às 7:18
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Em 20 anos, a safra de grãos subiu de 120,2 milhões de toneladas para 310,6 milhões por ano - FOTO: Jaelson Lucas / AEN

Nos últimos anos, tornaram-se recorrentes notícias de que o agronegócio puxou, ou até "salvou", o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todo o valor gerado na economia) brasileiro. Números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram esse cenário mais uma vez.

A economia brasileira acelerou e cresceu 1,9% no primeiro trimestre, puxada pela agropecuária - que disparou 21,6%.

Não é surpresa. Há décadas o agronegócio vem se mostrando o setor mais pujante da economia nacional. Em 20 anos, a safra de grãos subiu de 120,2 milhões de toneladas para 310,6 milhões por ano, uma alta de 258%, enquanto a área plantada passou de 43,7 milhões para 76,7 milhões de hectares, um salto de 76,5%. Ou seja, a safra cresce porque a produtividade melhora.

Também não há segredo de como isso foi alcançado. O crescimento está baseado em fortes investimentos em pesquisa e em políticas públicas para o campo.

A referência é o mercado internacional, por isso é preciso ser competitivo para se tornar um grande exportador. Os agricultores brasileiros têm feito isso como ninguém.

O desenvolvimento do agronegócio deixa uma lição importante no momento em que o governo fala em reindustrializar, ou "neoindustrializar", o Brasil.

As trajetórias dos setores agrícola e industrial são opostas. Enquanto o agro ganha importância, a indústria definha ano após ano. No início da década passada, a produção industrial respondia por quase 30% da economia brasileira.

Hoje, a proporção está mais perto de 20%, e a tendência é de cair ainda mais. Conforme os dados apresentados ontem, a indústria recuou 0,1%, enquanto o agro respondeu por cerca de 90% da alta de 1,9% registrada na economia frente ao quarto trimestre de 2022, segundo cálculos do IBGE.

O desempenho da economia brasileira nos primeiros três meses do ano ficou dentro do esperado pelas projeções colhidas pelo Estadão/Broadcast, cuja faixa variava de 0,4% a 2,4%, e acima da mediana (1,2%). Na comparação com os primeiros três meses de 2022, o PIB avançou 4%.

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A expansão de 21,6% do agronegócio é o melhor resultado desde o quarto trimestre de 1996. Foi impulsionada pela combinação de safra recorde - que deve passar de 300 milhões de toneladas neste ano - e pelos preços das commodities (matérias-primas cotadas em dólar).

"As expectativas (positivas) com a agropecuária se confirmaram, principalmente na parte de produção de grãos. Houve uma seca no Sul, mas ela foi mais localizada", diz Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). "Em geral, o agro é muito forte no primeiro trimestre e, depois, vai perdendo força."

Com maior produção e melhor rendimento, o setor puxou o PIB mesmo sem pesar tanto na atividade econômica como um todo.

O PIB Agropecuário responde por cerca de 8% do total. O padrão costuma ser o PIB acompanhar a variação do setor de serviços, que responde por quase 70% da atividade econômica, diz Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE. "A soja tem um peso muito grande no ano inteiro (na safra agrícola), mas principalmente no primeiro trimestre do ano", observa.

Embora o motor do PIB tenha sido a soja, a pecuária também ajudou no resultado, a despeito do embargo temporário nas exportações para a China, em virtude de um caso atípico no Pará de encefalopatia espongiforme bovina, o "mal da vaca louca", disse a economista Gabriela Faria, da Tendências Consultoria Integrada, cuja estimativa é de que o PIB do agro encerre o ano com crescimento de 6,5%.

Para ela, a cana-de-açúcar, o milho e o café devem puxar as estimativas nos próximos trimestres. Já a consultoria StoneX espera expansão 10% acima do registrado um ano antes.

SERVIÇOS EM ALTA

Os números divulgados pelo IBGE ontem também revelam um avanço do setor de serviços (alta de 0,6%), o mais afetado no auge da pandemia, que ainda mostra resiliência e se beneficia da reabertura da economia e dos resultados do mercado de trabalho.

"Há uma resiliência do setor de serviços, mesmo com uma alta taxa de juros desde o ano passado. Esperávamos uma desaceleração para este setor", afirma Claudia Moreno, economista do C6 Bank. "É difícil saber por que está assim. Algumas suposições indicam que ainda há uma demanda reprimida da pandemia, com mais pessoas fazendo viagens, por exemplo."

Em relação à demanda por bens e serviços, o item "consumo das famílias" cresceu 0,2%, ajudado, em parte, pela política de transferência de renda. O "consumo do governo", por sua vez, avançou 0,3%. Mas os investimentos caíram 3,4%.

"O PIB (do primeiro trimestre) é bom, mas ele tem uma certa dualidade. Um lado da economia está melhor, porque se beneficia da transferência de renda, da queda da inflação e das commodities", diz Silvia Matos. "Mas há, também, um outro lado. Estamos vivendo um período em que as condições financeiras estão desfavoráveis."

A taxa de investimento foi de 17,7% do PIB no primeiro trimestre e ficou abaixo do resultado apurado no mesmo período de 2022 (18,4%).

O QUE ESPERAR

Na avaliação dos analistas, a economia brasileira vai perder ritmo nos próximos trimestres por causa do fim do ciclo positivo da agropecuária e pelo cenário de taxa básica da economia (a Selic) elevada - atualmente em 13,75% ao ano. Juros altos encarecem o crédito para as famílias, e deixam os investimentos menos atrativos.

A expectativa é de que o PIB do segundo trimestre ainda cresça, mas o País corre o risco de observar uma queda da atividade na segunda metade do ano. "No primeiro semestre, deve haver uma variação positiva no PIB. No segundo, será quando a atividade econômica, em geral, começa a sofrer os impactos dessa política monetária (de juros) mais contracionista", afirma Laiz Carvalho, economista do banco BNP Paribas.

Antes da divulgação do PIB do primeiro trimestre, boa parte dos economistas previa um crescimento para este ano na faixa de 1,5% e 2%, mas o resultado melhor do que o esperado deve levar essas previsões para acima dessa faixa.

"Há chances reais de revisões serem feitas para cima, e um PIB que no começo do ano parecia perdido conseguirá reverter a tendência por conta das commodities", afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, que reviu a estimativa de crescimento deste ano de 1,3% para 2,1%.

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