Ingresso de novos países bagunça organização dos Brics, mas Brasil poderá se beneficiar, defende especialista
Cúpula do Brics decidiu convidar formalmente Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia para se tornarem novos membros dos Brics
A partir de 1º de janeiro de 2024, os Brics - grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - vai dobrar de tamanho. Na quinta-feira (24), a Cúpula do Brics decidiu convidar formalmente Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia para se tornarem novos membros do bloco.
Desde que foi criado, em 2001, com o ex-economista do banco Goldman Sachs, Jim O’Neill, nomeando o grupo pelo acrônomo Brics (palavra que resulta das iniciais dos países), o único novo nome a ingressar no bloco foi a África do Sul, em 2011. Essa será a primeira vez que um grande número de nações entra no grupo ao mesmo tempo.
Um dos questionamentos que se faz é se a grande diversidade de interesses deixará os Brics cada vez mais fragmentado. A Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Prescila Lapa, acredita que o bloco econômico não deverá sofrer um processo de descaracterização, mas uma indefinição de interesses e uma dificuldade de consenso.
"A ideia inicial de expansão dos Brics seria de fortalecimento, de criação de novos mercados, de fortalecimento dessas economias. O problema é que não se tem uma agenda clara, específica e precisa. A chegada de novos atores coloca outros interesses e quais desses interesses passam a fazer parte e a compor as prioridades da pauta dos Brics?", questiona.
A cientista política também indaga como se constroem consensos entre tantos países, com interesses tão diversos e com permanência de tempo diferente dentro do grupo (fundadores e novatos).
"Outra questão importantíssima quando se fala de blocos econômicos é compreender quais são os pontos de consenso. Porque, mesmo formando um bloco, cada país tem seu conjunto de interesses e especificidades, que muitas vezes se confrontam com aqueles que fazem parte do mesmo bloco. A chegada desses novos atores bagunça um pouco, podemos dizer assim, os consensos que podiam já estar estabelecidos, de olhar para o mesmo horizonte, olhar para as mesmas pautas", diz, citando como exemplo a questão ambiental.
DITADURAS ÁRABES E ARGENTINA
O novo desenho dos Brics também é criticado pelo ingresso de ditaduras árabes no grupo e pela sempre em crise Argentina. A entrada dos árabes foi 'patrocinada' pela China, que tem interesse em fortalecer o bloco para ampliar sua influência geopolítica e fazer frente ao arquirrival Estados Unidos.
Com a expansão, os Brics ganharão três ditaduras árabes (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito), além de dois países em situação de crise econômica aguda: a Argentina, mergulhada em inflação alta, endividamento e desemprego; e a Etiópia, recém-saída de uma guerra civil.
O Brasil relutou em apoiar a ampliação dos Brics, mas foi minoria. Agora terá que se explicar ao mercado internacional pelo fato de se juntar a países em estágios atrasados de desenvolvimento da democracia.
"O fato de ter ditaduras no bloco vai puxar essa discussão democrática para baixo. Isso coloca o Brasil numa situação delicada perante outras democracias e outros mercados importantes. Se já existe uma visão de que o Brasil adota posições dúbias em relação a essa questão das ditaduras internacionais, a participação do País num bloco integrado por ditaduras que não têm vergonha de esconder que fazem essa apologia a governos não-democrático traze um problema para dentro de casa. Você começa a ter que justificar sua participação e sua anuência ou não a certas pautas", observa Priscila Lapa.
PAPEL DE LULA
Mesmo com os desafios que a nova configuração dos Brics vai trazer a partir do próximo ano, a cientista política Priscila Lapa acredita que o Brasil pode se beneficiar. "Em certas aspectos, o Brasil pode começar a criar caminhos alternativos para o seu crescimento, para captação de investimento e para atração de outros olhares para a economia brasileira. Mas o presidente Lula terá muita dor de cabeça e será exigido um jogo de cintura imenso, maior do que na composição anterior", alerta.