opinião

Gastar, gastar, gastar... o governo gasta como se não houvesse amanhã

O governo ainda nem conseguiu o aumento de carga tributária para equilibrar suas contas, mas já gasta como se não houvesse amanhã.

Imagem do autor
Cadastrado por

MARCOS LISBOA e MARCOS MENDES

Publicado em 22/09/2023 às 5:00
Notícia
X

As últimas semanas foram preocupantes. O Legislativo está deliberando sobre diversas medidas que aumentam o gasto recorrente para beneficiar carreiras de servidores públicos, garantir ainda maiores transferências para municípios e distribuir sinecuras a grupos organizados do setor privado. O Executivo assiste inerte, incapaz de evitar a aprovação das medidas. A discussão sobre a reforma dos tributos indiretos não para de incorporar novos setores a serem beneficiados. Não basta empresas de eventos e assemelhadas estarem isentas de pagar imposto de renda pelos anos à frente por lei aprovada no período da pandemia e convenientemente prorrogada por cinco anos.

Elas agora pedem para serem beneficiadas na reforma dos tributos indiretos. Advogados e outros profissionais liberais igualmente demandam privilégios na reforma tributária. Não querem que as suas empresas paguem como os demais setores. O mesmo ocorre com produtos da agricultura. Setores de esporte têm sido contemplados nos seus pleitos por mais benefícios. A lista de pedidos não para de aumentar. Cada grupo beneficiado enseja a demanda de outros para serem igualmente contemplados. Os dados indicam que o Orçamento para 2024 superestima as receitas e subestima a despesa. Tudo na contramão da boa gestão pública.

A extinção do Teto de Gastos, substituído pelo Arcabouço Fiscal, trouxe problemas previsíveis, como antecipamos aqui. As despesas com saúde e educação voltaram a estar indexadas à receita corrente. Pela norma constitucional, os gastos com saúde terão que aumentar R$ 18 bilhões este ano em comparação com o previsto no Orçamento. Em 2024, essa despesa terá que aumentar ainda mais, cerca de R$ 50 bilhões a mais que o valor orçado para 2023. O governo promete cobrir o aumento de despesas tributando os "super ricos", mas aqui há mais retórica do que fato. A cobrança de tributos sobre fundos exclusivos e offshores gera uma receita pequena, 12% do que o governo diz precisar.

ÁGUA COM ÓLEO

Não houve proposta, até o momento, para rever os benefícios tributários de muitos grupos de alta renda, como os sócios de empresas no Regime do Lucro Presumido, com faturamento de até R$ 78 milhões, que pagam proporcionalmente menos tributos do que a maioria dos trabalhadores. Existe proposta para elevar o limite de faturamento do Simples, beneficiando pessoas de alta renda com negócios que faturam até R$ 8,7 milhões por ano. A maior parte da arrecadação prometida decorre de dois fatores: i) a nova regra sobre a tributação dos benefícios fiscais concedidos pelos estados; e ii) medidas para forçar empresas a fazer acordos com a Receita para encerrar conflitos sobre a tributação ocorrida no passado. Há diversas controvérsias sobre esses conflitos.

Em muitos casos, a Receita adiciona paulatinamente critérios não previstos em lei que, segundo ela, deveriam ter sido observados. Ver, por exemplo, o trabalho do Insper que documenta os seguidos critérios adotados pela Receita para calcular as obrigações previdenciárias das empresas. Outro trabalho do Insper documenta o montante impressionante do contencioso tributário no Brasil, mais de 50 vezes o observado nos países da OCDE ou da América Latina. Um terceiro utiliza técnicas de ciência de dados para analisar cerca de 750 milhões de decisões sobre disputas tributárias. Ambos acessíveis aqui. Cabe destacar, contudo, que mesmo que os novos instrumentos consigam que as empresas façam acordos para negociar parte do contencioso tributário, a receita obtida será não recorrente. Trata-se de acertos de contas com base em querelas do passado. O problema é que as despesas contratadas são recorrentes: irão se repetir nos anos vindouros.

O superávit primário relevante para a análise fiscal de um país é o baseado nos fluxos recorrentes, pois é o que permite estimar a evolução da dívida pública. O governo, contudo, mistura água e óleo nos seus anúncios. Parece que estamos em uma situação na qual: a) o governo não consegue entregar o aumento de receitas que prometeu para estabilizar as contas públicas; b) sua fragilidade política frente ao Congresso está empurrando os fatos na direção contrária: mais despesa e menor arrecadação em diversos itens; c) surge uma tendência de acomodar momentaneamente as pressões, porém sem resolver o problema estrutural. Essa tendência inclui caça a receitas temporárias, pressão sobre empresas públicas e privadas para antecipar pagamento de impostos ou desistir de disputas no CARF, orçamento irrealista e distorções de critérios contábeis. Neste texto, sistematizamos alguns fatos recentes que ilustram esses pontos. Orçamento 2024 O orçamento de 2024 tem claros sinais de superestimativa de receitas e subestimativa de despesas.

Continua na próxima página

 

Tags

Autor