Com veto de Lula, setores econômicos se mobilizam para evitar milhares de demissões
Adotada desde 2011, a desoneração da folha de pagamentos é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu vetar integralmente o projeto que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia que mais empregam. A decisão do presidente é uma vitória para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O chefe da equipe econômica quer usar os recursos da volta da oneração da folha de pagamentos, em 2024, em seu esforço para colocar as contas do governo em ordem. O assunto, porém, é politicamente delicado. Há pressão dos 17 segmentos pela desoneração, e o Congresso também poderá ter votos suficientes para derrubar o veto e restituir o benefício às empresas, que garantem milhares de empregos.
Adotada desde 2011, a desoneração da folha de pagamentos é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida reduz a carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas. O benefício, porém, perde a validade no fim deste ano se a prorrogação do prazo for vetada, e o Congresso não derrubar o veto presidencial.
QUEM ESTÁ EM RISCO
Nesta sexta-feira (24), empresários e representantes de centrais de trabalhadores rebateram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, após ele alegar que a desoneração da folha de pagamentos não teria representado a contratação de novos funcionários. Haddad disse ainda que a pressão para a prorrogação do benefício fiscal, com o argumento de manutenção dos atuais empregos, seria "chantagem".
"Isso não é chantagem. É desespero", afirmou a empresária Vivien Suruagy, presidente da Feninfra, entidade que representa as empresas do setor de infraestrutura de telecomunicações. "Ou as empresas quebram ou há um desemprego."
GERAÇÃO DE VAGAS COM DESONERAÇÃO
Estudo feito por iniciativa dos setores desonerados, usando dados do Caged (que mede o número de empregos formais no País), mostra que, entre janeiro de 2018 e dezembro de 2022, os 17 setores desonerados contrataram mais de 1,2 milhão de trabalhadores, um crescimento de 15,5% no período. De outro lado, os 13 setores que perderam o mesmo benefício fiscal em 2018 contrataram pouco mais de 400 mil novos trabalhadores, o que equivale a apenas 6,8% de crescimento.
MENOS 40 MIL EMPREGOS
Já no setor de máquinas e equipamentos, a previsão é de que manutenção do veto possa levar a 40 mil demissões, o equivalente a 10% de toda a mão de obra empregada atualmente. "Entendo a preocupação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em buscar o equilíbrio fiscal e em melhorar as contas públicas, mas a desoneração, embora pareça ser uma renúncia fiscal, gera empregos e renda", diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso.
Rebatendo outro argumento usado por Haddad, o presidente executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, afirmou que a desoneração é constitucional, pois se trataria de extensão da sua vigência até 2027, e não da criação de um benefício fiscal. "Além disso, o veto ameaça milhares de empregos que foram mantidos ou gerados nesses setores, com alto uso de mão de obra, nos últimos anos. Diante dessas circunstâncias, confiamos na sensibilidade do Congresso para derrubar o veto", disse ele.
TRABALHADORES EM RISCO
Representantes dos trabalhadores também demonstraram temor com o risco de demissões. Em nota conjunta assinada pela Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), os presidentes das três centrais afirmam que o veto pode colocar milhões de empregos em risco, estimular a precarização no mercado de trabalho e levar ao fim do ciclo, conduzido pelo Ministério do Trabalho, de redução do desemprego. "O resultado será perda de arrecadação, insegurança e empregos de menor qualidade."
Miguel Torres (Força), Ricardo Patah (UGT) e Antonio Neto (CSB) dizem lamentar a decisão do governo federal e o fato de não terem sido procurados para debater o tema. Para eles, desonerar a folha de pagamento é uma questão de sensibilidade social. "A equipe econômica comete um equívoco ao jogar o ajuste fiscal no setor produtivo e no emprego formal, pois a conta será absorvida pelos trabalhadores seja com o desemprego ou com a informalidade", assinalam.
CONGRESSO QUER DERRUBAR VETO DE LULA
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse nesta sexta-feira, 24, que o Senado "está aberto a ouvir o ministro da Fazenda [Fernando Haddad] sobre alternativas à desoneração", mas que a proposta tem uma amplo apoio no Congresso. Pacheco lembrou que, durante o governo de Jair Bolsonaro, a prorrogação da desoneração também foi vetada, mas o Congresso reviu a decisão do então presidente.
"O Senado está aberto a ouvir o ministro da Fazenda sobre eventuais alternativas e propostas dele em relação a isso. Mas esse episódio do veto já aconteceu antes. A desoneração tem uma razão de ser, não é um benefício ao acaso. O país precisa gerar emprego. As empresas que geram muito emprego precisam sobreviver", disse Pacheco. "Há uma razão de ser de bom mérito da desoneração, que já é adotado há algum tempo e já foi objeto de veto do governo anterior e o Congresso derrubou o veto na ocasião", completou.
NOVA VOTAÇÃO
Segundo Pacheco, "Senado e Câmara já se debruçaram sobre ele [projeto da desoneração] e houve uma ampla maioria de aprovação da medida". "O sentimento do Congresso é de que a desoneração da folha é algo muito positivo, porque mantém emprego em empresas que têm alta empregabilidade", argumentou.
Pacheco evitou dar uma data para a análise do veto sobre o projeto da desoneração, mas disse que é preciso ter "atenção", já que o benefício fiscal é válido somente até 31 de dezembro deste ano, caso o veto não seja derrubado.
"Vamos ouvir o ministro Fernando Haddad, ter toda a atenção como sempre tivemos. Vamos votar os projetos que sustentam o regime fiscal, offshores, fundos exclusivos, apostas esportivas, eventualmente a própria legalização dos jogos. Vamos ter todo o diálogo, mas considerando o deadline que temos, termos atenção a isso e resolver até 31 de dezembro", afirmou Pacheco.