Americanas: ex-executivos venderam R$ 287 mi em ações antes do anúncio de rombo
A Procuradoria da República sustenta que há inúmeras provas de que "toda a fraude era comandada" por Guiterrez, ex-CEO da Lojas Americanas
A Polícia Federal aponta que o ex-CEO das Lojas Americanas Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez, a ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali e outros ex-executivos da rede varejista venderam R$ 287 milhões em ações antes de que fosse anunciado, em janeiro do ano passado, o rombo de R$ 25,3 bilhões no balanço da empresa devido a "inconsistências contábeis". A descoberta levou ao enquadramento dos ex-executivos por crime de uso de informações privilegiadas, além de outros delitos sob suspeita na Operação Disclosure.
A defesa de Gutierrez afirmou, em nota, que ele 'jamais participou' de fraudes e que vem colaborando com as investigações. O Estadão busca contato com a defesa de Anna Christina Saicali. A Americanas diz que "foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes".
PRISÃO PREVENTIVA
Alvos principais da ofensiva aberta nesta quinta, Gutierrez e Anna Christina Saicali estão foragidos.
O juiz da 10.ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro Márcio Muniz da Silva Carvalho decretou a prisão preventiva dos dois executivos, que estão fora do País - a PF incluiu seus nomes na Difusão Vermelha da Interpol, a lista dos mais procurados.
Segundo a investigação que resultou na Operação Disclosure, Miguel Gutierrez e Anna Christina Saicali teriam vendido mais de R$ 230 milhões (R$ 171,7 milhões e R$ 59,6 milhões, respectivamente) em ações da Americanas ante a possibilidade de as fraudes contábeis bilionárias da empresa se tornarem públicas.
O auge das transações ocorreu em julho e outubro de 2022, apontam a PF e o Ministério Público Federal.
Segundo os investigadores, Gutierrez teve envolvimento direto nas fraudes, 'vez que participava do fechamento dos resultados'. Ele tinha a palavra final sobre os números supostamente inflados levados ao Conselho de Administração e ao mercado, diz a PF.
A Procuradoria da República sustenta que há inúmeras provas de que "toda a fraude era comandada" por Guiterrez. Segundo a PF, ele 'não só tinha conhecimento dos resultados verdadeiros como também sabia dos fraudados, que serviram de base para recebimento de bônus milionários, e principalmente, recebia o suporte e contava com a coautoria dos outros investigados".
Os investigadores destacam que Anna Christina Saicali também participava do processo de fechamento dos resultados das Americanas, apesar de não ter a mesma posição de Gutierres. Segundo a Procuradoria, ela seria uma das principais articuladoras das supostas fraudes.
Insider Tranding
Os autos da Operação Disclosure apontam que as vendas de ações ocorreram nos seis meses anteriores à divulgação do 'fato relevante' sobre o rombo da Americanas, "responsável por impactar significativamente" o preço das ações da varejista.
As operações atípicas chegaram a ser comunicadas para a Comissão de Valores Mobiliários.
A PF indica que, a "iminente descoberta pelo mercado do rombo nas finanças da empresa", com a troca do CEO da Americanas, em agosto de 2022, levou alguns investigados a fazerem "vendas milionárias de ações, antecipando-se ao fato relevante que geraria o derretimento do preço das ações em janeiro de 2023".
O Ministério Público Federal exemplificou que, quando saiu a notícia de que Gutierrez seria substituído na chefia da Americanas, os investigados ficaram preocupados com a impossibilidade de esconder as fraudes contábeis do novo CEO.
Assim, ainda de acordo com a investigação, o grupo tentou "diminuir as consequências" das fraudes que teriam ocorrido por diversos anos, "discutindo estratégias que pudessem amenizar os danos que deveriam ser comunicados ao novo CEO".
A meta, segundo a Procuradoria, era levantar R$ 15 bilhões "mediante estratagemas falsos".
Os investigadores anotam que Gutierrez, Anna Christina Saicali e outros nove suspeitos então ligados à estrutura da administração Americanas participaram "ativamente das supostas fraudes e, sabendo que o fato relevante que seria publicado ao mercado acarretaria uma queda substancial no preço das ações, teriam se antecipado e vendido centena de milhões de reais em ações".
Outros investigados por suposto insider trading são: José Timotheo de Barros, que vendeu R$20,7 milhões em ações; Márcio Cruz Meirelles (R$ 6,3 milhões); Fábio da Silva Abrate (R$ 6,4 milhões); Murilo Santos Corres (R$ 7,7 milhões); Carlos Eduardo Rosalba Padilha (R$ 4,4 milhões); João Guerra Duarte Neto (R$ 3,8 milhões); Jean Pierre Lessa e Santos Ferreira (R$ 1,1 milhão); Maria Christina Ferreira do Nascimento (R$ 803 mil); e Raoni Lapagese Franco Fabiano (R$ 5,3 milhões).
COM A PALAVRA, A AMERICANAS
"A Americanas reitera sua confiança nas autoridades que investigam o caso e reforça que foi vítima de uma fraude de resultados pela sua antiga diretoria, que manipulou dolosamente os controles internos existentes. A Americanas acredita na Justiça e aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos".
COM A PALAVRA, A DEFESA DE MIGUEL GUTIERREZ
"Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios"
COM A PALAVRA, A DEFESA DE ANNA SAICALI
Até a publicação deste texto, a reportagem do Estadão buscou contato com a defesa da ex-diretora das Lojas Americanas, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestação também dos outros citados na Operação Disclosure.