Fraude Bilionária

Ex-CEO da Americanas pedia dados fraudados em pendrives

Ministério Público Federal diz ter encontrado provas "inequívocas" da participação de Gutierrez nas fraudes para manter ações da Americanas em alta

Publicado em 29/06/2024 às 9:51
Notícia

Com base nas informações e documentos recolhidos que serviram de base para a Operação Disclosure, o Ministério Público Federal diz ter encontrado provas "inequívocas" da participação de Miguel Gutierrez nas fraudes que teriam sido operadas para manter as ações da Lojas Americanas em alta. Ex-CEO da rede, Gutierrez foi preso ontem em Madri. Sua defesa alega que ele não tinha conhecimento do esquema.

O executivo é apontado na investigação como o principal responsável pela manipulação dos resultados contábeis da empresa. Era ele quem, segundo o MPF, tinha a palavra final sobre os números inflados que seriam levados ao conselho de administração da empresa e ao mercado.

"Os demais investigados faziam referências a ordens diretas de Miguel Gutierrez e, por vezes, tratavam diretamente com ele sobre a fraude", afirma o Ministério Público.

Pelas investigações, a manipulação dos balanços da companhia ocorria no fim de cada trimestre, de forma a aproximar os resultados das expectativas do mercado. Documentos nomeados "verdes" e "vermelhos" seriam a base do esquema.

Os investigadores identificaram ainda que o executivo preferia receber a maior parte dos arquivos em pendrive - "a fim de se resguardar" -, mas mensagens recuperadas confirmariam que ele tinha acesso aos resultados fraudados.

Objetivos do ex-executivo

A PF acredita que as fraudes eram operadas com dois objetivos: atingir metas financeiras internas, para conseguir bonificações, e aumentar o valor das ações da empresa, já que Gutierrez era um dos acionistas. Ele vendeu R$ 171 milhões em ações pouco antes do anúncio do rombo, em janeiro de 2023.

A Operação Disclosure foi deflagrada na quinta-feira com o objetivo de investigar a participação de 14 ex-diretores da Americanas em desvios que somam R$ 25,3 bilhões. Agentes vasculharam 15 endereços ligados a ex-dirigentes da companhia no Rio.

Além de Gutierrez, a 10.ª Vara Federal Criminal também autorizou a prisão preventiva da ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali, que também saiu do País e até ontem à noite não havia sido encontrada. O nome de Anna foi incluído na chamada "lista vermelha" da Interpol - a relação dos mais procurados pela polícia internacional. Sua defesa não se pronunciou ainda sobre as acusações.

A ação da PF não envolveu os chamados acionistas de referência da rede - Jorge Paulo Lemann, Carlos Sicupira e Marcel Telles, que desde o início têm alegado desconhecimento das fraudes.

A PF apura supostos crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Se condenados, as penas podem chegar a 26 anos de reclusão. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também investiga o caso.

O nome da operação, "Disclosure", faz referência à expressão recorrente no mercado financeiro que significa "fornecer informações para todos os interessados na situação de uma companhia", segundo a PF. A corporação diz que a expressão "pode ser traduzida como o ato de dar transparência à situação econômica da empresa".

Delação de antigos funcionários

A operação teve como base a delação premiada de dois antigos funcionários da Americanas: Flávia Carneiro, ex-superintendente da rede, e Marcelo Nunes, ex-diretor financeiro. Além do testemunho, eles apresentaram documentos que sustentariam as acusações.

As fraudes contábeis, segundo os dois, eram operadas com o objetivo de manter as ações da rede em alta, e tratadas internamente por códigos. Diferentes senhas foram sendo criadas pela antiga diretoria para se referir aos ajustes nas contas da companhia, como "alavancas", "botões", "oportunidades", "soluções criativas" e "extras".

Para operar as fraudes, ainda de acordo com as delações, existiam diferentes artifícios, como o lançamento de verbas de propaganda cooperada (espécie de crédito para o comerciante) que não existiam, a omissão dos juros em operações de "risco sacado" (na qual a empresa consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo bancário) e a reclassificação de despesas como investimentos.

De acordo com o Ministério Público Federal, as investigações tiveram início em 2023, após a Americanas divulgar um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço devido a "inconsistências contábeis". A Polícia Federal iniciou as apurações em seguida, assim como a Procuradoria e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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