Desafio da aviação é aumentar número de brasileiros voando e melhorar infraestrutura, diz secretário
Em entrevista ao JC, o Secretário Nacional de Aviação Civil, Tomé Franca, faz um balanço de 100 dias de gestão e aponta os planos para o setor
Em maio deste ano, Tomé Franca assumiu a Secretaria Nacional de Aviação Civil, a convite do ministro de Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho. Na época, recebeu o desafio de aumentar o número de passageiros que voam pelo País e de aumentar os investimentos públicos e privados em infraestrutura aeroportuária. A meta é não só recuperar, mas superar o desempenho dos anos anteriores à pandemia, que impactaram frontalmente o setor. Até o final da gestão do presidente Lula (PT), o objetivo é passar dos 50,8 milhões de passageiros em 2020 e alcançar 140 milhões em 2026.
Na infraestrutura aeroportuária, a expectativa é quebrar recordes de investimentos, aumentar o número de concessões e assegurar a participação do governo em projetos para estimular a aviação regional. Já em 2024, o setor estima comemorar recorde de R$ 4,2 bilhões em investimentos públicos e privados.
Nesta entrevista ao JC, o secretário fez um balanço de 100 dias de gestão, apontou os planos para o setor, comentou sobre os altos preços das passagens aéreas e a importância da aviação regional.
RETOMADA DO CRESCIMENTO
Temos uma retomada significativa dos números anteriores à pandemia. Em 2019, o Brasil teve cerca de 118 milhões de passageiros. Com a pandemia, em 2020, o número caiu 57%, chegando a apenas 50 milhões. A recuperação está em curso, e a expectativa para 2024 é de alcançar novamente os 118 milhões de passageiros. No primeiro semestre de 2024, houve um crescimento de 5% no número de passageiros e isso reflete, principalmente, o crescimento da economia.
MAIS BRASILEIROS VOANDO
Nosso desafio é aumentar o número de brasileiros voando pelo País. Com uma população superior a 200 milhões de pessoas, apenas 118 milhões de viagens foram registradas. E esse número não reflete indivíduos únicos, mas o total de viagens realizadas. Estima-se que entre 30 e 35 milhões de brasileiros voam regularmente, demosntrando o potencial de crescimento.
PASSAGEIROS E VOOS INTERNACIONAIS
Na proposta do aumento do número de pessoas voando também está o passageiro internacional. Para 2024, a expectativa é ultrapassar 24 milhões de passageiros, um aumento de 17% em relação a 2023. Recentemente, novos voos foram lançados, incluindo cidade como Montevidéu e Porto. No dia 12 de setembro, foi inaugurado o voo Salvador-Paris, operado pela Air France. Muitos desses novos voos são resultado de parcerias com governos estaduais, que buscam atrair mais turistas internacionais.
VOO RECIFE-PORTO (PORTUGAL)
Em Pernambuco, por exemplo, novas rotas estão sendo criadas, como o voo Recife-Porto operado pela Azul, previsto para o segundo semestre. Atualmente, já existe o voo Recife-Lisboa pela TAP, mas a nova rota aumenta as opções de conexão com o norte de Portugal. Esses voos são frequentemente captados em parceria com o Ministério do Turismo e a Embratur.
INVESTIMENTOS NO SETOR
Em 2023 e 2024, o governo está entregando um conjunto de investimentos de R$ 4,2 bilhões em aeroportos, sendo R$ 3,8 bilhões provenientes de concessões e R$ 400 milhões de investimentos públicos. Essas obras incluem 50 entregas de melhorias em aeroportos, tanto por concessões quanto por investimentos da Infraero e do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC).
CONCESSÕES DE AEROPORTOS
Recentemente, foram entregues 34 aeroportos requalificados, sendo que, no início deste mês, foi feita a entrega de uma obra de R$ 56 milhões no Aeroporto de Petrolina. As melhorias incluem ampliação das salas de embarque e desembarque, modernização das pistas e aumento no número de embarcações. Essa obra foi iniciada em novembro do ano passado e estava prevista para ser concluída em novembro deste ano, mas foi entregue antecipadamente em setembro.
IMPORTÂNCIA DOS AEROPORTOS REGIONAIS
Embora as concessões sejam fundamentais para os grandes aeroportos, é igualmente importante investir nos aeroportos regionais, dado que o Brasil é um País continental com quase 6.000 cidades, mas apenas 2% delas têm aeroportos comerciais. A infraestrutura regional é essencial para atender não apenas a aviação comercial, mas também a aviação geral, que inclui jatos executivos e táxi aéreo.
RECUPERAÇÃO DAS COMPANHIAS AÉREAS
Durante a pandemia, as companhias aéreas operaram com apenas um terço de sua capacidade de passageiros, sem nenhum apoio significativo do governo federal na época. Diferentemente de outros países que injetaram bilhões no setor aéreo para salvá-lo, o Brasil não introduziu essa medida. Agora, pela primeira vez na história, o governo Lula está desenvolvendo uma estratégia para ajudar financeiramente as companhias aéreas por meio do FNAC. Este financiamento concedido permitirá que as empresas façam novos investimentos no mercado nacional.
R$ 5 BILHÕES PARA EMPRESTAR ÀS AÉREAS
O FNAC (Fundo Nacional de Aviação Civil) e o lançamento do Plano Aeroviário Nacional 2024 (PAM 2024) são fundamentais para garantir que o setor aéreo brasileiro continue se desenvolvendo. A FNAC, por exemplo, tem sido uma demanda antiga das companhias aéreas, e agora o ministério está finalmente entregando essa solução de financiamento, com uma disponiblilidade de R$ 5 bilhões.
REGIONAIS E DEFICITÁRIOS
O governo também está desenhando um plano de investimentos privados para aeroportos regionais. A ideia é identificar e fortalecer a infraestrutura de aeroportos que atualmente são deficitários, mas que são fundamentais para garantir a conectividade regional. O exemplo do aeroporto de Araripina em Pernambuco ilustra bem a importância de manter esses aeroportos regionais funcionando mesmo que não sejam lucrativos, porque eles desempenham um papel vital no transporte de mercadorias e pessoas, especialmente em momentos de crise, como a pandemia.
PPP DOS AEROPORTOS REGIONAIS
A ideia de integrar investimentos privados nesses aeroportos deficitários por meio de concessões é uma inovação importante. O objetivo é criar incentivos para que empresas privadas, que já operam aeroportos superavitários, invistam em aeroportos menores em troca de redução de outorga, ampliação de prazos de concessão ou ajustes tarifários. Isso permitirá que regiões menos desenvolvidas, mas estrategicamente importantes, possam ter acesso à infraestrutura aeroportuária, impulsionando o desenvolvimento econômico regional.
PASSAGEM É CARA NO BRASIL
A questão do preço das passagens aéreas é central para muitos brasileiros e existem diversos fatores que influenciam nesse contexto. Um ponto crítico é o alto índice de judicialização no setor de aviação civil no País. Estudos apontam que 80% a 90% dos processos judiciais contra companhias aéreas no mundo estão concentrados no Brasil. Esse número é desproporcional e gera um impacto significativo nos custos operacionais das companhias, o que, consequentemente, reflete no preço das passagens aéreas.
CORRÓI AS FINANÇAS
Esse aumento no custo não está relacionado à qualidade do serviço oferecido, que é reconhecidamente alto em termos de pontualidade e segurança. No entanto, a judicialização afeta diretamente as finanças das empresas, gerando um custo estimado de R$ 1 bilhão ao ano. Isso inclui gastos com indenizações e despesas advocatícias. Para minimizar esse impacto, o governo está trabalhando em conjunto com os órgãos da aviação e os tribunais para conscientizar sobre a necessidade de reduzir essa judicialização excessiva.
CUSTO DO QUERESONE
Outro fator relevante é o preço do querosene de aviação (QAV), que corresponde a cerca de 40% dos custos operacionais de um voo. Quando o preço do QAV sobe, isso impacta diretamente no valor das passagens. No entanto, uma notícia positiva é que, nos últimos 12 meses, houve uma redução de 27% no preço do combustível de aviação. Como resultado, as passagens aéreas também caíram, em média, 26%. Isso significa que as passagens estão mais acessíveis agora do que estavam um ano atrás.
MONOPÓLIO DA PETROBRAS
Em relação ao fornecimento de combustível para a aviação, a Petrobras ainda domina o mercado no Brasil, sendo a única refinada de querosene de aviação. Embora seja possível importar combustíveis, a refinaria nacional é praticamente monopolizada pela Petrobras, o que limita a competitividade e a diversificação de fornecedores, influenciando os preços.
PLANEJAR E COMPRAR ANTES
O planejamento das viagens também pode influenciar bastante no preço. Quem compra passagens com maior antecedência consegue encontrar tarifas mais baixas. Esse é um ponto cultural que o Brasil ainda precisa melhorar, pois a compra antecipada é fundamental para conseguir melhores preços. Atualmente, mais de 50% das passagens aéreas no Brasil são vendidas por até R$ 500. Esse percentual cresceu em relação ao ano passado, o que reforça a ideia de que o custo das passagens está passando. Esses fatores juntos — judicialização, preço do combustível, planejamento de compra, e falta de concorrência no adequado de QAV — afetam o preço final das passagens. No entanto, a recente queda no preço do QAV e a redução dos preços das passagens aéreas são sinais positivos para os consumidores.