"O setor real da economia não tem voz no debate brasileiro", diz economista Eduardo Giannetti

Economista explicou que não é possível colocar a culpa, somente, no Governo Federal e reforçou que 'não estamos à beira de nenhum precipício fiscal'

Publicado em 24/12/2024 às 11:20
Google News

Com informações do Estadão Conteúdo

O economista e filósofo Eduardo Giannetti afirmou que os números fiscais do Brasil são preocupantes e criticou a alta dos juros. No fim deste ano, a incerteza sobre o futuro das contas públicas do país levou o dólar para a casa de R$ 6,30 e fez os juros futuros dispararem.

“O mercado financeiro é extremamente exigente quando se trata de pedir cortes de gasto primário, mas é completamente omisso quando se trata de trazer à tona o custo fiscal de um aumento extravagante de juros como esse que estamos vivendo no Brasil”, disse Eduardo em entrevista ao Estadão.

Giannetti explicou que não é possível colocar a culpa apenas no Governo Federal. "É exagerada a presença da visão financeira e de mercado financeiro no debate público brasileiro. Esse aumento de juros que vivemos recentemente prejudica enormemente o setor real da economia. E isso passa batido. As empresas que estão endividadas hoje e pagam juros estão tendo perdas, às vezes, por resultado de um enorme esforço de produção e rentabilidade, apenas por conta de uma reunião do Copom", afirmou.

"Muitas delas vão ter dificuldade para honrar compromissos financeiros. E isso passa batido. O setor real da economia não tem voz no debate brasileiro. O mercado financeiro tem uma dominância e uma hegemonia impressionantes na formação de expectativas e no encaminhamento do debate público", completou.

O que levou à desvalorização do real?

Para Eduardo, um conjunto de fatores nos leva a essa realidade econômica brasileira. Ele explica que um dos motivos foi a valorização do dólar em todo o mundo, especialmente nos mercados emergentes.

"O fato também é que a desvalorização do real este ano foi muito além do que aconteceu com as outras moedas relevantes do mundo emergente. Nós vivemos uma desvalorização do real que extrapolou muito o padrão mundial. E aí temos que obrigatoriamente olhar para fatores domésticos, exacerbados nesse movimento", explicou.

O que seriam esses fatores domésticos?

Giannetti afirmou que a proposta de corte de gastos apresentada pelo governo foi o fator principal para essa oscilação econômica.

"O problema dessa proposta, entre outros, é que, se o lado da isenção é líquido e certo, o lado da arrecadação compensatória dessa isenção é extremamente complicado de implementar. Ficou uma assimetria que gera muito ruído. Mas isso é uma parte. A outra parte é que o que o Haddad apresentou, embora correto, é claramente insuficiente para endereçar a questão do cumprimento do arcabouço fiscal nos próximos anos", frisou.

Exagero do mercado financeiro

Segundo Eduardo, houve uma reação exagerada do mercado financeiro em relação ao arcabouço fiscal. "O governo vai ter de apresentar algo mais consistente para recuperar a credibilidade desse arcabouço fiscal. Agora, vamos colocar as coisas em perspectiva. Claramente, há uma reação exagerada do mercado financeiro", disse.

"Entra nisso um elemento especulativo. Agentes poderosos do mercado financeiro adoram volatilidade, porque é dessa forma que ganham dinheiro. Os indicadores fiscais brasileiros, embora preocupantes, não são calamitosos. Longe disso. Nós não estamos à beira de nenhum precipício fiscal", completou.

O economista foi categórico ao afirmar que o presidente Lula precisa mudar o tom quando se fala da economia brasileira. "Primeiro, o governo precisa deixar de dar informações desencontradas e unificar o discurso. Eu acho que está mais do que na hora de o presidente da República fazer um pronunciamento sólido, dizendo que a questão fiscal não será desconsiderada e que o compromisso é sério. E que, se for o caso, existem instrumentos de contingenciamento que permitem cumprir o arcabouço fiscal nos próximos dois anos", disse Eduardo.

Ministro Haddad

Questionado sobre um possível enfraquecimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o economista afirmou que não enxerga um momento de dúvida.

"A minha leitura é de que o Haddad não está enfraquecido e não vai se enfraquecer. Eu acho que o presidente Lula tem plena ciência de que, se a situação já está difícil com o Haddad, ela vai piorar ainda mais sem o Haddad. E ele é um laço, um fiador de algum grau de compromisso com a responsabilidade fiscal no Brasil. O que seria uma alternativa à equipe do Haddad no governo Lula hoje? Seria o PT. E aí, apertem os cintos, a Argentina é logo ali", enfatizou.

Tags

Autor