O futebol brasileiro vive um capítulo que pode mudá-lo bruscamente, no âmbito das transmissões televisivas. Tudo isso por conta da Medida Provisória nº 984, que tramita na Câmara dos Deputados. O principal ponto do documento é o fato de que as negociações para transmissão de partidas se tornam propriedade do clube mandante, ou seja, sem precisar da concordância do time visitante. Contudo, ela só será aplicada, em massa, a partir de 2024, quando encerra o contrato de grande parte dos clubes com a emissora detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro. Tais mudanças geram expectativas e abrem espaço para a expansão da veiculação dos jogos através do streaming.
A cada ano, os serviços por streaming vão ganhando mais projeção, audiência e conteúdo. No futebol, as principais ligas e outras periféricas já incorporaram este modelo de transmissão há anos. Aqui no Brasil, esta possibilidade vai tomando corpo aos poucos. Alguns canais por assinatura, como o Esporte Interativo e Premiere, já disponibilizavam para que o espectador assistisse, pela internet, competições como os Estaduais, Copa do Nordeste e Campeonato Brasileiro das Séries A e B. Em 2019, o Live FC assumiu as transmissões do Nordestão, enquanto a DAZN exibe a Série C.
Por outro lado, os clubes podem também criar serviços próprios de streaming para suas partidas. O pioneiro no Brasil foi o Athletico, com a plataforma Furacão Play, exclusiva para sócios. O primeiro duelo transmitido foi o clássico contra o Coritiba, pelo Campeonato Paranaense deste ano. O Rubro-negro perdeu por 4x0, mas deu um primeiro passo que pode inspirar outros. A pandemia do novo coronavírus pode ter atrapalhado alguns planos da equipe, mas a ideia era de transmitir 30 jogos neste ano.
O Bahia, através do Sócio Digital, também dá ao seu associado a chance de acompanhar o Tricolor de maneira mais próxima. Com vídeos diários, entrevistas, bastidores, gerando um conteúdo de 100 horas mensais, divididas entre gravações e transmissões ao vivo. Além disso, o Esquadrão pretende também transmitir partidas das equipes Sub-20 e Sub-17, da mesma forma com o time feminino profissional.
Em Pernambuco, a ideia de criar serviços próprios, voltados para o seu torcedor, já vem ganhando forma e sendo aperfeiçoada. Porém, para que se implemente um streaming próprio, com os altos custos implicados para adquirir a estrutura necessária para isso, existe a chance de criar uma plataforma colaborativa entre clubes, não só daqui do Recife, mas também de outros estados. Tudo ainda está no campo das ideias, mas é um discurso que encontra ressonância em outros locais.
O Santa Cruz vê com bons olhos esta oportunidade, e vai se estruturando para, no futuro, ter este aporte. “O clube vai poder capitalizar, além de abrir precedente para transmissões próprias. A partir do momento que você tem estrutura para fazer transmissões ao vivo, com qualidade, você pode fazer isso como mais uma fonte de receita para o clube”, comentou o diretor de marketing do Santa Cruz, Guilherme Leite.
No Náutico, o pensamento é semelhante. Com cautela, o Timbu vai desenhando cenários que podem ser benéficos para o clube, mas com cautela. “Essa MP que traz a possibilidade da gente fazer streaming próprio ou fazer negociação com clubes, é uma questão que está em pauta com a gente, mas não depende somente do marketing. O marketing tem interesse, naturalmente, nesse produto, principalmente porque ele pode trazer uma visibilidade maior e eventualmente uma lucratividade maior. Mas é uma coisa que precisa ser muito bem tratada com o jurídico do clube e a questão comercial também”, explicou o vice-presidente de comunicação e marketing do Alvirrubro, Luiz Felipe Figueiredo.
No Sport, a ideia é de não planejar algo sobre o tema enquanto o clube ainda tem contrato vigente em todos os pacotes de transmissão. “Temos um contrato das quatro plataformas, TV aberta, TV fechada, pay-per-view e streaming, temos um contrato fixo até 2024, então não podemos pensar nisso. Os clubes estão conversando, analisando se essa medida vai realmente beneficiar a maioria deles ou alguns poucos. Mas no que concerne ao streaming em si, o Sport só pode ver isso a partir de 2024”, disse o vice-presidente de comunicação do Sport, Jurandyr Gayoso.
Situação da MP 984
Atualmente, o projeto chegou na Câmara dos Deputados e recebeu, ao todo, 91 emendas. Todas elas serão votadas pelos parlamentares, para serem incorporadas ou não ao texto original. Porém, é praticamente certo que ela passará por várias mudanças em relação ao texto original. Entre as propostas apresentadas, estão a da retirada do patrocínio de empresas de comunicação aos clubes, a permanência da intermediação do Sindicato dos Atletas para o repasse do direito de arena - 5% do valor da transmissão da partida para os atletas -, e a obrigação de que seja criada uma liga entre os clubes. Ponto de grande relevância no texto e que muda bastante o cenário criado pela MP, caso seja incluído.
No documento, as negociações entre clubes e emissoras seriam, a princípio, de maneira individual. Porém, havia a possibilidade das agremiações se juntarem e formarem um bloco - a como a Liga do Nordeste - negociando a transmissão dos jogos dos seus componentes. Agora, a proposta do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ) obrigaria que uma liga independente seja criada até 2022, para organizar o Campeonato Brasileiro das Séries A e B e negociar coletivamente os direitos de transmissão. Além disso, determina também uma melhor distribuição desses recursos, inspirando-se no modelo de distribuição dos campeonatos da Europa, como a Premier League, na Inglaterra. Assim, a cada ciclo de três anos para o fechamento de contratos, a diferença entre o time que recebe mais, para o que recebe menos, seja de cinco vezes o valor, no máximo. E a cada período desse, diminuiria para quatro vezes mais, depois três e no ciclo subsequente, um valor acertado em assembleia geral pelas agremiações.
No molde inicial da medida provisória, houve várias manifestações favoráveis, mas também contrárias, principalmente por abrir um precedente na negociação individual, para que o desequilíbrio no futebol brasileiro fique ainda maior. É a chamada ‘espanholização’, neologismo usado para comparar ao futebol do país europeu, onde duas superpotências dominam o futebol local: Real Madrid e Barcelona. Ambos vários degraus acima das demais equipes.
“Essa diferença faz com que haja um abismo financeiro muito grande entre um lado e outro, e não gostaria que acontecesse isso aqui. Acaba acontecendo como na Espanha, com dois clubes grandes, como Real Madrid e Barcelona e os outros se matando por migalhas. Aqui no Brasil não pode ser assim. O Brasil é um país muito grande, temos clubes muito bons em todas as regiões, e tínhamos que ter essa capacidade de dar condições para todos os clubes de poderem disputar mais igualitariamente todos os campeonatos”, comentou o deputado federal Danrlei de Deus (PSD-RS), em entrevista à Rádio Jornal.
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