Não se posicionar é se posicionar. Diante dessa premissa bastante atual, os clubes de futebol perceberam que não podiam mais omitir de seus torcedores o posicionamento público da instituição referente a temas delicados que são discutidos na sociedade, principalmente, no que diz respeito a lutas pela igualdade social, racial e de gênero. Ao contrário do que acontecia antigamente, quando tais assuntos dificilmente se misturavam com as notícias esportivas, agora, com as mídias digitais cada vez mais inseridas no dia-dia dos clubes, os departamentos de marketing perceberam que era preciso assumir posição perante a sua torcida e ter esse papel estratégico de conscientização no combate às discriminações.
Na última semana, Náutico, Santa Cruz e Sport se posicionaram a respeito dessa mobilização mundial no combate ao racismo (após George Floyd, um cidadão norte-americano preto, de 40 anos, ser assassinado por um policial branco por asfixia em uma abordagem) e, em suas redes sociais, adotaram a #VidasNegrasImportam. "A gente é contra qualquer tipo de preconceito. Sempre vamos nos posicionar contra toda e qualquer discriminação. Esse é o posicionamento do clube. Não escolhemos campanhas, escolhemos não ser preconceituosos e procuramos passar essa mensagem para o nosso torcedor", declarou Diogo Noronha, vice-presidente de Marketing do Sport.
Último clube a inserir pretos em seu elenco - o primeiro a ser contratado foi o técnico Gentil Cardoso, em 1960 -, o Náutico sabe que precisa se dedicar bem mais que seus co-irmãos para reparar esse preconceito histórico, mas que ficou no passado. "Os clubes precisam se posicionar. Historicamente, a nossa história não nos orgulha nem um pouco. Nós fomos o último clube da capital a aceitar jogadores negros. Por isso, a gente precisa trabalhar com maior força que os nossos rivais de Pernambuco para virar esse quadro. Essa história do passado nos fez ser tachados de torcida de elite e trabalhamos para acabar com isso, buscando entrar em todas as camadas sociais", contou Luiz Filipe Figueiredo, vice-presidente de Comunicação e Marketing do Náutico. "Buscamos abominar qualquer atitude racista e sempre nos posicionamos. Mas não podemos achar que por conta disso está tudo certo, que a partir daí tudo vai andar naturalmente. Temos de evoluir e evoluir é se posicionar. Se manifestar e se colocar contra qualquer tipo de discriminação. Assumimos a nossa função social e reforçamos que o Náutico é um clube aberto a qualquer ser humano", concluiu.
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Considerado desde a sua fundação como o 'Clube do Povo', o Santa Cruz faz jus a sua alcunha e vem honrando suas origens ao se posicionar nas mídias digitais contra qualquer tipo de preconceito. "A gente vem fazendo essas ações (combatendo todo tipo de discriminação) desde o lançamento da campanha Santa de Todos. O Santa Cruz é efetivamente um clube do povo e de todos, independentemente da orientação sexual, da cor de pele, do credo ou do posicionamento político. Faz parte do clube essa identidade popular, desde a sua origem, sendo o primeiro da capital a aceitar um jogador negro no elenco. Não temos como ter qualquer tipo de discriminação. O Santa abraça todos", frisou Guilherme Leite, vice-presidente de marketing do Santa Cruz. "O nosso posicionamento nas redes sociais é mais uma reafirmação da nossa identidade, da nossa origem. A partir do momento que nas arquibancadas do Arruda encontram-se todas as pessoas, por que o clube não falar que é de todas elas? Não temos preconceitos e mostramos isso ao nosso torcedor", complementou.
MUDANÇA HISTÓRICA
Se hoje em dia se posicionar é quase uma obrigação, no passado, expor a opinião e defender movimentos de igualdade social, racial e de gênero era um risco. Afinal de contas, assumir um posicionamento é também se comprometer com a causa. E isso poderia implicar em represálias. "Lembro do grande engajamento do boxeador Muhammad Ali, que se recusou a lutar na guerra do Vietnã (em 1967 - na época, disse 'não vou viajar 10 mil milhas para ajudar a matar uma outra nação apenas para continuar a dominação branca escravocrata sobre o povo negro no mundo') e acabou suspenso e perdeu os títulos conquistados. Mas ele não foi o único", relembrou o psicólogo Sylvio Ferreira.
Porém, no início dos anos 1990, o lendário Michael Jordan foi bastante cobrado pela população preta dos Estados Unidos por não se manifestar em apoio a Harvey Gantt, que tentava ser o primeiro senador preto da Carolina do Norte. Sem o posicionamento público favorável do melhor jogador de basquete da história e que na época liderava o Dream Team, além de estampar a sua imagem nas principais campanhas publicitárias, Gantt acabou perdendo as eleições para Jesse Helms, um concorrente conservador do Partido Republicano e que não escondia a sua postura e atitudes racistas, inclusive, sendo contrário a criação do feriado de Martin Luther King Jr (grande ativista e pastor negro norte-americano que lutava pelos direitos humanos), além de se mostrar favorável à segregação nas escolas entre brancos e pretos. E, depois dessa omissão, Michael Jordan ficou rotulado por se importar mais com sua fortuna do que com o seu povo, por medo de perder seus patrocinadores. Mas, em meio às manifestações mundiais, o ex-astro da NBA se redimiu por ter se esquivado do seu papel de conscientizador social e, após mais de duas décadas de atraso, ele não só abraçou a causa no combate ao racismo e expressou isso publicamente, como também anunciou uma doação de 100 milhões de dólares (ao longo de dez anos) para organizações que lutam para acabar com a desigualdade racial.
"Michael Jordan fez parte desse momento... Mostrando que dificilmente alguém vive o estrelato sem que se posicione, sem que utilize a sua voz em relação àquilo que diz respeito com a história de vida de cada um. Me lembro que, recentemente, um influenciador social (Felipe Neto) deu uma declaração (no Twitter) cobrando de Neymar uma posição em relação a essas manifestações no combate ao racismo. O mundo mudou e ninguém mais pode ficar sem expor a sua voz, diferentemente do que acontecia antigamente, quando as vozes eram silenciadas ou as pessoas achavam que não deveriam colocá-las por receio de expressar o que sentiam em relação às injustiças. O mundo mandou tudo isso pro espaço e cada voz tem um poder ativo para se lutar pelo que é justo e digno", finalizou Sylvio Ferreira.
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