Loucos por futebol

Quando as camisas de futebol viram mantos sagrados

Torcedores são tão apaixonados pelo esporte, que se tornaram colecionadores de camisa das camisas dos clubes e seleções, e não medem esforços para tê-las

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Cadastrado por

Marcelo Cavalcante

Publicado em 28/03/2021 às 8:31
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Houve um tempo em que camisa de futebol não era vista nas prateleiras das lojas esportivas. O que se via eram réplicas. A maioria mal feitas, por sinal. As peças não eram nem valorizadas pelos clubes. Feitas de pano e também de algodão, absorviam muito o suor, o que aumentava o calor e pesavam nas costas dos atletas mais durante o jogo. Era muito comum eles tirarem após o jogo, enrolando na mão, cintura ou cabeça. Hoje o cenário é outro. Design arrojado, material de alta tecnologia, peças valorizadas nas lojas, torcedores ávidos para comprar a camisa igual a que seu time do coração entra em campo. Os clubes enxergaram o nicho. Virou grife. Mas o curioso é o loop histórico. Afinal, tamanha modernidade e facilidade em comprar os mantos nos dias de hoje, transformou as peças do passados em relíquias e, portanto, valorizadas demais por quem aprecia os mantos. Esses colecionadores estão com antenas ligadas no mercado, no que é produzido, comercializado e não medem esforços para encontrar aquela camisa que sempre desejou ter em casa.

Um desses colecionadores é o advogado e empresário Antônio Botelho. Em 1992, quando comemorou seu aniversário de 9 anos, pediu uma camisa de futebol de presente e sua avó atendeu. Atualmente, tem mais de 1.300 camisas. "Meu pai era diretor jurídico do Náutico e ganhou muitas camisas. Isso alimentou ainda mais minha paixão. E as pessoas sabiam disso. Então, todo aniversário, eu ganhava uma camisa", conta. Durante todo esse tempo colecionando, Botelho conseguiu criar uma rede gigante de amigos que jogam na sua mão verdadeiras preciosidades. Ex-jogadores, dirigentes, roupeiros de clubes que jogam pérolas de bandeja em suas mãos "Tenho uma de Maldini, da Copa de 94, do Brasil da Copa do Mundo de 98, de 90; Copa América, despedida de Romário...", relata. Estipular o valor desses mantos não é algo muito preciso. Camisas com autógrafo, com placas comemorativas, com datas, de grandes competições elevam e muito o seu valor. "Como estou nessa brincadeira há muito tempo, sei diferenciar camisas de jogo e de loja. Já teve gente querendo vender de loja com preço de camisa de jogo. E eu sabendo dos detalhes, não cai nessa", conta.

Arquivo Pessoal
Antônio Botelho com uma das suas relíquias do Náutico, a camisa de jogo do artilheiro e ídolo Bizú (D) - Arquivo Pessoal

Quem teve a felicidade de herdar uma raridade foi o jornalista Rodrigo Coutinho. Dono de uma coleção de 140 camisetas, que estão guardadas e lacradas em seu guarda-roupa, uma ele tem como troféu: seleção brasileira de 1971, usada e autografada por ninguém menos que Pelé. "Um tio era maitri de um restaurante em São Paulo. Ele conheceu Pelé. Conversaram bastante e Pelé foi no apartamento, pegou a camisa e o presenteou. Então, ele deu para o meu pai, que deixou para mim", revela. Coutinho foi aos poucos aumentando sua coleção. "Numa época, um filho de um político colocou para vender um lote de camisas. Eu fiz rolo com ele", diz o jornalista, que separa uns cinco mantos para uso diário, enquanto as demais não saem do guarda-roupa.

Antes da pandemia, os colecionadores, geralmente, marcavam encontros para trocar informações, relembrar aqueles jogos marcantes, os craques que vestiram as camisas ou até mesmo aqueles pernas de pau que fazem raiva só de lembrar. Agora, como o isolamento, as redes têm ajudado a deixar tudo isso muito vivo. "Comecei a colecionar quando percebi o valor histórico de cada camisa. Quando era adolescente, assim que ganhava uma nova do Atlético-MG, dava a antiga para os amigos. Em 1995, dei uma camisa edição especial do Taffarel para um primo e me arrependi. A partir daí, comecei a guardar. Hoje devo ter umas 120 camisas. Dessas, 70 são do Galo", diz o empresário mineiro Júnior Louzada, que mora há 19 anos no Recife. A paixão pelo Atlético-MG ele herdou do pai, que segundo ele, "desde que me entendo por gente que eu via meu pai vestido de preto e branco". "Uma loucura foi pagar R$350,00 em uma camisa do meia Leleu usada no Mundial de Clubes disputado pelo Galo em 2013. E ainda sinto um vazio pela de Taffarel que dei para o meu primo", comenta.

Curioso é que, nesse universo, é impreciso definir o que é caro ou barato. Afinal, tem sentimento envolvido. "Depende da raridade, do nível de conservação, memória afetiva, do apego que você tem pela camisa", define o publicitário José Ricardo, dono de uma coleção de 350 peças. Ele está sempre ligado ao mercado. Em busca de raridades. "A busca faz parte do jogo", diz. Muitas vez, as pessoas sabendo que ele é um colecionador, as camisas raras são oferecidas. E aí, o trabalho é só negociar com o vendedor. Recentemente, adquiriu a camisa que Paulo Victor usava na campanha vitoriosa do Sport na Série B de 1990, e outra dos Estudantes de Timbaúba, dos anos 80.

A vontade de ter camisas, sempre o acompanhou. Ricardo gostava de ver as camisas no estádio de futebol, na TV e sonhava em tê-las em casa. Quando começou a trabalhar, passou a comprar dentro de suas possibilidades. A primeira foi a do Cruzeiro, de 1993. A partir daí, não parou. "Nunca tive a pretensão de ter a quantidade de camisas que tenho hoje. Tudo aconteceu naturalmente", diz Ricardo, admitindo que já tenha feito algumas loucuras para ter camisas. "Abordei as pessoas com camisa na rua para saber se queriam vender. Às vezes, tive sucesso", lembra.

No vídeo abaixo, o colecionador Antônio Botelho conta uma história curiosa sobre uma camisa de goleiro do Náutico que ele tinha, vendeu e, depois, conseguiu de volta. Confere aí:

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