CIDADANIA

Ativista social devolve orgulho e dignidade a famílias de comunidades de Maracaípe

ONG Todas Para o Mar auxilia crianças e jovens através do surfe, conscientizando a população local sobre o empoderamento feminino e práticas antirracistas

Imagem do autor
Cadastrado por

JC

Publicado em 18/05/2024 às 9:45 | Atualizado em 18/05/2024 às 9:46
Notícia

Ana Oliveira, especial para o JC

Recanto do surfe no Litoral Sul de Pernambuco, com águas mornas, vasto coqueiral e diversidade natural, a praia de Maracaípe, a 65 km do Recife, é reconhecida internacionalmente por suas belezas. A autoestima turística da região também busca ser estendida à comunidade local pela ex-surfista profissional Nuala Costa através da ONG Todas Para o Mar (TPM).

O projeto nasceu com o objetivo de dar visibilidade ao surfe feminino através do Festival Maraca Surf Festival. E, após notar uma baixa aderência ao surfe, em 2017, é criado o projeto Inclua Surf TPM, para crianças e jovens, conscientizando a população sobre o empoderamento feminino e também práticas antirracistas, que potencializam as capacidades das dezenas de famílias atendidas.

Nuala começou sua carreira no surfe aos 16 anos, por meio de um projeto social. Apesar do talento, se deparou com a invisibilidade e a falta de patrocínios como consequência do racismo estrutural. Mesmo sem apoio, participou de campeonatos e conquistou boas colocações, como o Campeonato Brasileiro de Surf amador, Super Trials e o Circuito Nordestino de Surf.

Essa falta de apoio levou Nuala a um esgotamento emocional, fazendo-a sair do país e arriscar a viver na Europa durante quinze anos, ao lado da mãe e dos irmãos que já moravam no país em busca de melhores condições de vida. No primeiro momento, Nuala morou em Portugal e, quatro anos depois, foi para a Espanha. Trabalhou como diarista, secretária, gerente de bar e tripulante de um iate e, nessa época, também foi mãe.

Ao retornar ao Brasil, em 2015, deparou-se com as mesmas dificuldades entre as surfistas, principalmente as negras e nordestinas, criando a ONG para empoderar e tornar visíveis os rostos desconhecidos pela falta de apoio tanto do poder público quanto da iniciativa privada.

“Com a construção do coletivo TPM, fui notando que essas dificuldades não se restringiam apenas às mulheres negras periféricas, onde as mulheres de forma

geral precisam de fortalecimento, reconhecimento e empoderamento. A proposta do coletivo se tornou seu propósito de vida, onde pretende torná-lo em um projeto socioeconômico que atenda as necessidades da comunidade”, diz Nuala, com o empoderamento de quem pratica surfe há 26 anos. “As dificuldades servem para fortalecer e crer que é possível incentivar outras mulheres a se empoderar”.

PARA ALÉM DO SURFE

Além do esporte, a ONG também aborda questões de empoderamento, educação antirracista e de empreendimento para a comunidade local. Para a fundadora, Nuala o suporte à comunidade é uma ferramenta fundamental para mudar a realidade da região.

“Nós reconhecemos que o acesso ao esporte, cultura, educação e o empreendedorismo feminino são fundamentais para a construção de uma identidade positiva da comunidade além de diminuir os efeitos do racismo ambiental”, afirma. Com a atividade oferecida pela TPM, o projeto mantém 95% de seus alunos inscritos até hoje.

Atualmente, são atendidas cerca de 120 mulheres e 80 crianças e adolescentes na faixa entre 7 aos 17 anos e, majoritariamente, negros. Um trabalho que impacta, indiretamente, 250 famílias da localidade. Apesar de ser reconhecida internacionalmente, a região tem enfrentado desafios ambientais e sociais.

Enquanto a praia é conhecida por suas belezas naturais e atividades de surfe, a comunidade local – em sua maioria, pescadores, jangadeiros, artesãos e comerciantes informais – sobrevivem da renda de suas funções e enfrentam a desigualdade socioambiental. A especulação imobiliária e a expansão do turismo de forma insustentável têm impactado negativamente, levando à exclusão de políticas públicas e à falta de acesso a serviços básicos, como saneamento básico e educação de qualidade.

Para entender a necessidade de cada família, são realizadas visitas em domicílio a fim de entender a rotina e necessidades de cada jovem, assim a ONG consegue auxiliar não apenas com as atividades realizadas na sede da TPM, como também apoiar aos tutores e no desenvolvimento escolar.

As atividades propostas envolvem aulas de surfe, oficinas para confecção de pranchas, e a participação em campeonatos. Além disso, a ONG disponibiliza aulas de letramento racial, alfabetização, de espanhol, capoeira, maracatu, afoxé, arteterapia, teatro, dança e sessões de cinema.

CONSTRUINDO O FUTURO

“É um orgulho muito grande quando olhamos para trás e vemos o impacto da TPM na comunidade, são oito anos com muito aprendizado e também de amor pela transformação desses jovens. Manter uma ONG é um grande desafio, então o nosso objetivo é atrair mais voluntários e também possíveis marcas para se tornarem nossas parceiras”, conta Nuala. Apesar do crescimento da ONG, a captação de recursos e voluntários é um dos desafios que organizações não governamentais mais enfrentam.

Além de Nuala, a ONG conta também com Lígia Levy, educadora e mestra em geografia que atua na gestão do desenvolvimento dos projetos, e também de uma direção composta por Stella Francisca, Alyne Nunes, Alexsandra Simoes e Micheline Araujo.

Conta com o apoio de empresas parceiras, como Surf Guru, Pousada La Bella Luna, Setta Energia e Via Água, que garantem contribuições mensais para a manutenção do projeto, enquanto doações espontâneas ajudam a cobrir despesas mensais.

O crescimento de pessoas assistidas pela TPM ao longo dos 8 anos de existência ultrapassou a marca de 300 pessoas direta e indiretamente, e como próxima meta, Nuala pontua que a sede do projeto terá que expandir para receber ainda mais pessoas.

Com diversos objetivos de transformação social, hoje a maior parte das famílias atendidas pela TPM são de pessoas negras, em idade escolar e de baixa renda. Nuala, que já se viu na mesma posição dessas famílias, destaca a importância de oferecer um atendimento e incentivo para a comunidade como um todo.

“Desde que decidi criar a ONG, me coloquei no lugar desses jovens para entender qual o tipo de acolhimento que eu gostaria de receber. É importante pensar no jovem, mas não é o suficiente se não tivermos um atendimento que inclua também a família deles”, diz a ex-surfista.

“Hoje em dia, com o acesso à internet e com as mudanças de costumes, é preciso combater não só a evasão escolar, no nosso caso o esporte é um dos nossos aliados, como também proporcionar o letramento racial para que essas crianças construam sua autoestima e enxerguem que a cor delas não as impede de chegarem a posições de liderança, além de trabalhar também a educação social para que elas entendam as questões como educação sexual, inclusão de gênero e outras diversidades que existem”.

Tags

Autor