FINANÇAS

Falta de transparência, dívidas e 'na cota do milagre': especialista analisa finanças do Sport

Reportagem do Jornal do Commercio conversou com César Grafietti, especialista no assunto e que detalhou sobre o estudo publicado pelo Banco Itaú sobre as finanças de clubes brasileiros, incluindo o Sport.

Lucas Holanda
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Lucas Holanda
Publicado em 29/07/2020 às 19:15 | Atualizado em 29/07/2020 às 19:24
ACERVO/ JC IMAGEM
Sport vive grave crise financeira. - FOTO: ACERVO/ JC IMAGEM

Uma equipe do Banco Itaú, que conta com o economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte, César Grafietti, analisou o balanço de 24 clubes brasileiros através do estudo "Análise Econômico-Financeira dos Clubes do Futebol Brasileiro - 2019". Dentre os times pernambucanos, apenas o Sport foi analisado. E como já esperado, a situação do Leão é difícil. Em um dos trechos da análise do Rubro-Negro, o estudo cita que o 2020 do clube está na "cota do milagre". Além disso, os especialistas também detalharam que a falta de transparência do Leão é um dos principais entraves não só para um detalhamento maior, mas até mesmo como uma forma da torcida colaborar. Confira os trechos da análise do Sport no estudo feito pelo Itaú.

NA COTA DO MILAGRE

"O primeiro ponto relevante é que o Sport não ajuda nas análises porque não oferece demonstrações financeiras com os detalhamentos ideais. Com base no que temos é possível ver um clube em extrema dificuldade, com receitas limitadas, dívidas elevadas e um risco enorme de ficar entre a cruz e a espada: ou gasta (sem poder) para se manter na Série A ou retorna à Série B e mantém as dificuldades. Aliás, dificuldades serão mantidas esteja onde estiver o Sport em 2021, pois o clube entrou num processo de endividamento tão alto e concentrado que fica difícil o clube se recuperar no curto prazo. A realidade do Sport é bastante complicada e demandará mais que boa gestão para se recuperar", diz um trecho da análise.

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Números das finanças do Sport. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ
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Especialistas disseram que talvez um milagre ajude o Sport. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ
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Especialistas dissecaram o cenário do Sport em 2020. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ
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Alguns dados não foram analisados pela falta de transparência do Sport. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ
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Especialistas afirmaram que a transparência é o pontapé para reestruturação do Sport. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ
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2020 do Sport está na cota do milagre, segundo especialistas. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ
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Especialistas questionaram falta de transparência do Sport. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ
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Sport vive grave situação financeira. - REPRODUÇÃO/ ITAÚ

ANÁLISE DO CÉSAR GRAFIETTI

A reportagem do Jornal do Commercio entrou em contato com o economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte, César Grafietti, que detalhou sobre o duro caminho que o Sport precisa percorrer para sair dessa grave situação. Dentre os temas da conversa, estão a questão da transparência no clube, dívidas a curto prazo, 'all-win' na Série A, 'cota do milagre' para permanecer na primeira divisão, apego ao patrimônio e muito mais. Confira a entrevista completa sobre as finanças leoninas.

FALTA DE TRANSPARÊNCIA

A questão da transparência sempre ajuda muito a você fazer dois tipos de comunicação: com o torcedor e com o mercado. É fundamental que você tenha uma transparência. Se o Sport precisar ir a um banco levantar um empréstimo, buscar um patrocinador ou alguém para investir no clube, os números precisam ficar claros, com os números bem detalhados. A falta de transparência faz com que o torcedor se afaste e pense: 'se eu não sei o que está acontecendo com o clube, por que eu vou colocar dinheiro, comprar camisas e ir ao estádio?' E para o investidor e para o mercado em geral, como ajudar o clube que não sabe nem a condição em que ele se encontra. Então essa falta de transparência gera essa dificuldade em qualquer recuperação.

DÍVIDAS A CURTO PRAZO - O BALANÇO DO SPORT CONSTA R$ 145 MILHÕES A CURTO PRAZO

Sempre digo que a gente não pode pegar o número absoluto, porque tem que ver quanto você tem dinheiro para pagar. Eu brinco que é melhor você dever R$ 500,00 ganhando R$ 1000 ou dever R$ 1 milhão ganhando R$ 10 milhões. A dívida de R$ 1 milhão é maior que a de R$ 500,00, mas a sua capacidade de pagar é maior porque você ganha mais. Então o que os clubes e os torcedores precisam entender é sobre essa capacidade de pagar dívidas. E aí o Sport tem uma dívida concentradíssima em um curto prazo, em cima de uma receita limitada. Não é sobre o tamanho, mas a condição de pagar ela a curto prazo.

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TALVEZ UM MILAGRE AJUDE

O Sport até deve ter um pouco mais de receitas esse ano, porque subiu para a Série A e as receitas são maiores, mesmo com os descontos. Então essa receita vai ser maior. Mas aí ele entra num problema que o mercado publicitário está muito mais fraco esse ano por conta da pandemia. Os clubes que já tinham patrocínio perderam, as receitas dos sócios caíram e não tem bilheteria, então o clube acaba ficando muito preso à receita da TV. Se ele mantiver o que ele teve de custo ano passado, ele vai ter um time esportivamente incapaz de competir, e isso gera ainda mais dificuldades.

Se for rebaixado, a tendência é receber menos dinheiro da TV, porque cai e os últimos quatro não recebem o dinheiro da TV. Se ele tenta investir, ele aumenta o buraco porque o crescimento de receitas não deve ser tão grande. Então ele fica num mato sem cachorro, especialmente porque as dívidas estão vencendo. Por mais que as receitas do Sport cresçam para R$ 40 ou 50 milhões, sobra R$ 10 milhões para pagar uma dívida a curto prazo que é enorme.

Então o milagre que poderia acontecer é vender algum atleta, um ativo ou uma sede qualquer e fazer um dinheiro inesperado entrar para fechar minimamente equilibrada ao final do ano.

VENDA DE PATRIMÔNIO

No caso do Sport, por mais que não seja o ideal, ele ainda tem a Arena de Pernambuco. Nas empresas, se você pensar num mundo corporativo, é muito comum as empresas venderem os ativos que não estão sendo usados. É um risco de você fazer um dinheiro rápido e apagar aqueles incêndios. No futebol, existe esse apego ao patrimônio. Mas o quanto esse patrimônio está gerando de valor para o clube? Não adianta nada você ter um estádio próprio, um ct, uma sede social e ter déficits e atrasos o tempo inteiro. O que é melhor pensar na sustentabilidade com as finanças organizadas ou ter um patrimônio que em algum momento ele pode ser penhorado e você perder tudo?

Isso é uma visão do futebol. Se fosse outra empresa, faria uma coisa mais desapegada. Mas tem a questão do torcedor, do amor ao sócio pelo patrimônio construído que acaba atrapalhando um pouco.

PROBLEMAS NA GERAÇÃO DE RECEITAS

Os três clubes (Bahia, Fortaleza e Ceará) que estão acima do Sport hoje, eles passaram por mudanças importantes na estrutura das gestões. Chegaram pessoas novas com visão de reestruturar, com uma visão de negócio, com uma visão sem ser apenas naquilo de ser apenas o presidente pensando só no futebol. E também o processo de transparência ajuda nisso. Quando você é transparente e mostra para o torcedor o caminho que está seguindo, o torcedor engaja e vai porque as ideias são corretas. Você não consegue vender um produto para alguém se você não conseguir mostrar que esse produto é viável.

E o Sport falha neste sentido. Tem uma torcida engaja e uma história importante, mas não consegue sair daquelas amarras da associação. Não consegue levar para o dia a dia dirigentes com ideias novas. Está faltando essa mudança de mentalidade. Tá na hora de trazer gente fora do modelo associativo, buscando profissionais contratados que tragam projetos e, com transparência, você consegue engajar ainda mais o torcedor e ajudar a empurrar ao clube. A grande capacidade que os três têm (Bahia, Fortaleza e Ceará) é de de mostrar ao torcedor todo o projeto e o torcedor apoiar.

ALL-WIN NA SÉRIE A

Eu nunca sou a favor disso do all-win (apostar tudo na permanência da Série A). Ano passado foi e conseguiu subir. O problema é que esse ano o Sport deu azar porque esse ano a Série A perde um monte de receitas por conta da pandemia. O melhor é que o clube entenda o seu tamanho e entenda as suas possibilidades. E aí começa a trabalhar o projeto de ser eficiente nos gastos. Contratar direito, de usar melhor a base, desenvolver custos mais baixos e não praticar esse all-win para tentar subir da Série B para a Série A como esses clubes fazem, feito Avaí e CSA.

Se você pegar Fortaleza e Ceará, os dois se mantiveram estáveis nas condições financeiras gastando apenas o que podiam. A diferença, especialmente no âmbito esportivo, é que o Fortaleza criou um projeto esportivo a partir da contratação de Rogério Ceni. O Ceará não tinha isso e ficou ali perto da zona de rebaixamento até o final. O Sport precisa olhar esses exemplos e entender: eu não posso ficar dando all-win o tempo todo porque uma hora eu vou perder. Preciso criar um desenho esportivo e segui-lo dentro das minhas possibilidades. Isso é um segredo que o clube não tem a dimensão das suas possibilidades e acha que vai conseguir mais e mais. Quando não consegue, que é o que tá acontecendo, tem muitas dificuldades.

Eu gosto de pegar exemplos de times médios na Europa que hoje têm um potencial de desempenho. O maior exemplo disso hoje é o Atalanta. Por que deu certo? Porque gasta de forma eficiente. Dá para ser eficiente e brigar por melhores posições na tabela sem gastar tanto. No futebol brasileiro em geral, sobretudo os clubes de menor capacidade financeira, falta esse entendimento do que tem que ser feito.

ANÁLISE DA GESTÃO DO SPORT

Eu acho que o grande trabalho que alguém precisa dar o pontapé no Sport é a questão da transparência. Começar a entregar balanços auditados por uma empresa de maior porte, que garanta a qualidade dos números; entregar informações com maior frequência, como por exemplos balanços trimestrais, porque aí no balanço de fim do ano todo mundo já sabe o que vai encontrar. E aí eu acho que o grande trabalho nesse momento, até mais do que fazer um esforço enorme de permanecer na Série A, é sentar e organizar os passivos, um trabalho de reestruturação do clube.

Com transparência e reorganização, mesmo que não seja eficiente dentro de campo, entra em uma situação melhor para ano que vem. Menos estrangulado. A tendência, e aí é só pegar os números, quanto menor a sua receita, menor a sua capacidade competitiva. Ou você é muito eficiente no gasto e monta um time excepcional com pouco dinheiro, o que não me parece o caso do Sport hoje, até porque tem dificuldades na formação do elenco, ou você volta para a Série B. E aí acaba como América-MG e Avaí, clubes que sobem e descem com frequência porque a capacidade financeira é pequena.

Então talvez hoje faça sentido para o clube repensar a ideia de não vamos fazer de qualquer jeito para permanecer na Série A. Mas usar a Série A como um momento para se reestruturar, deixar como um legado e, a partir do próximo ano, com o clube mais organizado, traçar um projeto sustentável para longo prazo.

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