Putin reconhece a independência dos territórios separatistas pró-Rússia na Ucrânia
Histórica, a ação de Moscou faz parte da escalada das tensões entre os dois países por conta da tentativa ucraniana de se juntar à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)
Atualizada às 19h26
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, informou nesta segunda-feira (21) em longo pronunciamento transmitido ao vivo, que tomou a decisão de reconhecer as regiões de Donetsk e Luhansk como independentes da Ucrânia. Histórica, a ação de Moscou faz parte da escalada das tensões entre os dois países por conta da tentativa ucraniana de se juntar à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Putin disse que a situação na região de Donbass - onde ficam localizadas as duas cidades que tiveram sua independência reconhecido por Moscou - está ficando "novamente crítica", e acusou Kiev de bombardear civis locais em retaliação à demanda de grupos separatistas.
Ainda de acordo com ele, há evidências de que Kiev planeja construir armas nucleares com a ajuda dos Estados Unidos e da Otan, algo que "mudaria drasticamente a situação".
Para o mandatário russo, a Ucrânia "não tem tradição" de ser um Estado soberano e hoje atua não apenas como um "protetorado" sob defesa de potenciais ocidentais, mas "como uma colônia com um governo fantoche".
Segundo Putin, Kiev é controlada por forças exteriores que não se limitam ao Ocidente e cuja influência atinge todas as instâncias do governo ucraniano.
"A Ucrânia não conseguiu alcançar um Estado estável, e por isso teve que se apoiar em nações estrangeiras, como os EUA", avaliou Putin, após afirmar que a Ucrânia moderna foi "inteiramente criada" pela Rússia soviética.
Em oito anos, a guerra entre Kiev e os separatistas, apoiados por Moscou, já deixou mais de 14.000 mortos.
Fim do processo de paz
O reconhecimento russo dos separatistas significa o fim do processo de paz resultante dos acordos de Minsk de 2015, firmados por Rússia e Ucrânia sob mediação franco-alemã, que pretendia precisamente a devolução dessas regiões à soberania ucraniana.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, respondeu a essas declarações nesta segunda-feira (21) via Twitter anunciando a convocação iminente do Conselho de Segurança e Defesa Nacional e disse que discutiu o assunto com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
Kiev também exigiu uma reunião "imediata" do Conselho de Segurança da ONU diante da ameaça de uma invasão russa.
A ONU pediu a "todas as partes interessadas que se abstenham de qualquer decisão ou ação unilateral que possa minar a integridade territorial da Ucrânia", disse seu porta-voz, Stephane Dujarric, nesta segunda-feira.
"Destacamos nosso apelo à cessação imediata das hostilidades, à contenção máxima de todas as partes para evitar qualquer ação e declaração que agrave ainda mais as tensões", disse Dujarric, enfatizando que todas as disputas devem "ser tratadas com diplomacia".
A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmaram no Twitter que a União reagirá "com firmeza" ao que considera uma "flagrante violação do direito internacional".
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, afirmou no final de uma reunião de chanceleres em Bruxelas que vai colocar "o pacote de sanções na mesa dos ministros europeus" após a declaração de Putin, enquanto o primeiro-ministro britânico Boris Johnson denunciou uma "flagrante violação da soberania" da Ucrânia.
Para o chefe da Otan, Jens Stoltenberg, o reconhecimento das regiões controladas pelos rebeldes no leste da Ucrânia viola os acordos internacionais assinados por Moscou.
"Condeno a decisão da Rússia de estender o reconhecimento às autoproclamadas 'República Popular de Donetsk' e 'República Popular de Luhansk'. Isso socava ainda mais a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, erode os esforços para a resolução do conflito e viola os Acordos de Minsk, dos quais a Rússia faz parte", disse Stoltenberg em um comunicado.
Cúpula Lavrov-Blinken na quinta-feira
A Rússia anunciou nesta segunda-feira que suas forças de segurança eliminaram dois grupos de sabotadores ucranianos que se infiltraram em seu território e acusou a Ucrânia de ter bombardeado um posto de fronteira, declarações negadas por Kiev.
"Dois grupos de sabotadores do exército ucraniano foram para a fronteira russa (...) Durante os confrontos, os dois grupos de sabotadores foram atingidos. Um dos militares ucranianos foi capturado", disse o chefe do Serviço Federal de Segurança Russo (FSB), Alexander Bortnikov, durante a reunião do Conselho de Segurança.
Os países ocidentais temem que a intensificação dos combates nos últimos dias no leste da Ucrânia com separatistas pró-Rússia seja utilizada como pretexto por Moscou, que enviou 150.000 soldados para a fronteira ucraniana, para invadir o país vizinho.
A presidência francesa havia anunciado uma cúpula entre Putin e Biden no domingo, mas o Kremlin descreveu a ideia como "prematura".
No entanto, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, disse que se reunirá com seu colega americano, Antony Blinken, na quinta-feira.
A Casa Branca considera que a invasão da Ucrânia é iminente e acusa a Rússia de tentar "esmagar" o povo ucraniano.
Uma operação militar russa seria "particularmente brutal" e "custaria a vida de ucranianos e russos, sejam civis ou soldados", disse o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan.
Moscou nega ter planos de invadir a Ucrânia, mas exige garantias de que essa ex-república soviética jamais se juntará à Otan e o fim da expansão dessa aliança para suas fronteiras. Suas demandas até agora foram rejeitadas pelo Ocidente.
"É a guerra, a verdadeira"
Os separatistas informaram a morte de três civis nas últimas 24 horas, assim como a explosão de um depósito de munições na região de Novoazovsk, sobre o qual acusaram "sabotadores ucranianos".
Não foi possível verificar essas informações de forma independente.
As autoridades das duas "repúblicas" pró-Rússia" ordenaram a mobilização dos homens em condições de combater e a transferência de civis para a Rússia. Moscou informou nesta segunda-feira que 61.000 pessoas deixaram a região.
"É a guerra, a verdadeira", disse Tatiana Nikulina, de 64 anos, que está entre os evacuados da região de Donetsk para a cidade russa de Taganrog.
Os separatistas pró-Rússia que lutam contra Kiev mantêm um conflito no leste do país que provocou mais de 14.000 mortes desde 2014, agravado após a anexação da Crimeia ucraniana pela Rússia.