VIOLÊNCIA NO PERU: protestos não dão trégua em crise que já soma 45 mortes no Peru
O governo peruano declarou na quinta-feira (19) o estado de emergência em sete das 25 regiões do país
Da AFP
Novos enfrentamentos em regiões do Norte e do Sul do Peru foram registrados, nesta sexta-feira (20), em meio a novas manifestações em Lima contra a presidente Dina Boluarte, que não dão trégua apesar das 45 mortes ocorridas desde o início da onda de protestos em dezembro.
Os choques se concentraram nas regiões de La Libertad (Norte), Arequipa e Puno (Sul), com bloqueios de estradas e batalhas campais entre os manifestantes, que atiravam pedras com estilingues, e a polícia, que respondia com gás lacrimogênio.
Na região de Puno, uma turba queimou a delegacia do distrito de Zepita e incendiou um posto alfandegário em Desguadero, na fronteira com a Bolívia, informou a televisão local.
Em Arequipa, a segunda maior cidade do país, dezenas de moradores tentaram, pelo segundo dia consecutivo, invadir a pista de pouso do aeroporto, que está fechado e protegido pelas forças de segurança desde a quinta-feira.
Já na capital Lima, milhares de manifestantes desfilaram pela tarde entoando palavras de ordem em alto e bom som: "Dina assassina!" e "Esta democracia não é uma democracia! Dina o povo lhe repudia!"
Com uma bandeira Yunguyo - povo das margens do lago Titicaca na fronteira com a Bolívia - nas costas e usando um chapéu de palha branco, Olga Mamani, de 50 anos, afirmava: "Queremos a renúncia de Dina. Se ela não renunciar, o povo não ficará em paz".
"A folha de coca nos dá força para esta luta que começamos, queremos que Dina renuncie e que se feche o Congresso [...] vamos ficar aqui até as últimas consequências", disse Antonio Huamán, um camponês de 45 anos que veio de Andahuaylas, epicentro das manifestações em dezembro.
O governo declarou na quinta-feira (19) o estado de emergência em sete das 25 regiões do país - incluindo a capital e áreas do Norte e do Sul do país - até meados de fevereiro, habilitando assim a intervenção militar junto à polícia para controlar a ordem pública.
Os distúrbios já somam 45 mortes - 44 civis e um policial - desde o dia 7 de dezembro, após a destituição e detenção do presidente de esquerda e de origem indígena Pedro Castillo, acusado de tentar um golpe de Estado ao querer dissolver o Congresso - controlado pela direita - que estava a ponto de destitui-lo do poder por suspeita de corrupção.
Castillo foi substituído por Boluarte, sua vice-presidente, mas ela é vista como "traidora" pelos manifestantes.
Turistas ilhados em Machu Picchu
Em Cusco, o serviço de trens à cidadela inca de Machu Picchu, a principal atração turística do país, continuou interrompido nesta sexta por causa dos protestos, enquanto o aeroporto de Cusco retomou suas operações.
A suspensão dos trens a Machu Picchu deixou pelos menos 300 turistas estrangeiros e locais ilhados na localidade de Aguas Calientes, que fica no sopé da montanha onde foi erguida a famosa cidadela inca.
"Não temos certeza de que um trem virá nos buscar. Como podem ver, todos os turistas aqui estão fazendo fila, recolhendo assinaturas e se registrando" para que possam ser evacuados, disse à AFP o chileno Alem López.
Mobilizações não tem previsão de terminar
Os organizadores garantem que as mobilizações não vão acabar até que haja a renúncia da presidenta Boluarte.
"A luta vai continuar em todas as regiões até conseguirmos a renúncia de Boluarte e os outros pontos da agenda, como a realização de eleições este ano e o referendo para a [Assembleia] Constituinte", declarou à AFP o secretário-geral da Confederação Geral de Trabalhadores do Peru (CGTP), Gerónimo López.
Na noite de ontem, Boluarte voltou a pedir calma em uma mensagem transmitida pela televisão estatal.
"Às irmãs e aos irmãos que sim querem trabalhar em paz, que sim querem levar renda para seus lares para sustentar suas famílias, lhes digo, e também aos que estão provocando estes atos de protesto, aos que se deslocaram das províncias para a capital, não vou me cansar de chamá-los para o bom diálogo", disse.
Mas suas palavras chegam a ouvidos surdos. "Este governo não nos representa, é ilegítimo para o povo aimara, por isso viemos aqui para fazer nossa voz de protesto ser ouvida", disse à AFP Ricardo Mamani, de 47 anos, que participou das marchas em Lima.
"Viajamos por 42 horas desde a região de Puno, estamos exigindo de uma vez por todas que esta senhora [Dina Boluarte] saia do caminho para que o povo esteja em paz", acrescentou.
Mamani, que estava vestido de preto em sinal de luto pelos mortos nas manifestações, instou as organizações de direitos humanos internacionais a intervir. "Não sentimos a presença do direito internacional. Não há quem nos defenda", clamou, indignado.
A crise também reflete a imensa lacuna que existe entre a capital e as províncias pobres que apoiam Castillo, cujos habitantes viam sua eleição como uma forma de revanche contra o poder de Lima.