Operação da PF causa tensão política e diplomática entre Brasil e Israel
Segundo a Polícia Federal, os alvos da operação tinham ligação com o grupo político e paramilitar Hezbollah
A Operação Trapiche, que prendeu, na quarta-feira (8), duas pessoas sob suspeita de planejar atentados terroristas contra alvos judaicos no Brasil, está provocando uma crise entre o governo brasileiro e Israel, com reflexos na política interna.
Segundo a Polícia Federal, os alvos da operação tinham ligação com o grupo político e paramilitar Hezbollah, sediado no Líbano e ativo na Cisjordânia. Um dos indivíduos presos teria admitido que participava do recrutamento de pessoas para o Hezbollah. Conforme relatórios da PF e de grupos de inteligência, o Hezbollah teria laços com a comunidade de imigrantes libaneses e seus descendentes, principalmente da região da tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai.
O descontentamento de integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva com Israel e seus emissários já vinha de alguns dias, em virtude da demora na retirada dos 34 brasileiros que querem deixar a Faixa de Gaza - esta parte tende a se resolver com a retirada do grupo, que deve ocorrer hoje (mais informações na página A12). Agravou-se por causa de dois eventos ocorridos anteontem.
O primeiro foi o comunicado do gabinete do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, que atribui ao serviço secreto do país, o Mossad, parte do mérito pela operação. O segundo foi a entrevista do embaixador israelense em Brasília, Daniel Zonshine, ao jornal O Globo, na qual afirma que "o interesse do Hezbollah em qualquer lugar do mundo é matar os judeus" e que, "se escolheram o Brasil, é porque tem gente que os ajuda". Entre políticos da direita, é comum o discurso de que o governo Lula é aliado de grupos como Hamas e Hezbollah.
RESPOSTA DE FLÁVIO DINO
A resposta ao comunicado de Netanyahu veio pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. Ele afirmou que "nenhuma força estrangeira manda na Polícia Federal". "O Brasil é um país soberano", escreveu Dino, na rede social X. "A cooperação jurídica e policial existe de modo amplo, com países de diferentes matizes ideológicos, tendo por base os acordos internacionais."
A PF reagiu à fala de Zonshine. Em nota em que se refere apenas a "autoridades estrangeiras", o órgão diz que "manifestações dessa natureza violam as boas práticas da cooperação internacional e podem trazer prejuízos a futuras ações nesse sentido". Internamente, Itamaraty e Planalto também reconhecem o desconforto.
POSIÇÃO DA CÂMARA
A essa tensão somam-se aquelas geradas no front interno. Um dos focos foi o encontro do ex-presidente Jair Bolsonaro com Zonshine, ocorrido anteontem, na Câmara dos Deputados. O objetivo da visita do embaixador ao Congresso era apresentar imagens dos ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro. Ao portal UOL, o embaixador disse que a ideia da reunião não era fazer disso um evento político, mas mostrar aos parlamentares as atrocidades do Hamas. Em nota, a embaixada declarou que Bolsonaro apareceu sem ser convidado na reunião da Câmara, e agradeceu ao governo brasileiro pela operação contra o Hezbollah.
Bolsonaro costuma se apresentar como amigo de Israel, rótulo que atrai a simpatia de grupos evangélicos conservadores que associam o Estado de Israel ao povo bíblico. No passado, fez movimentos - que não se concretizaram - para transferir a embaixada do Brasil para Jerusalém, o que implicaria reconhecimento de fato da anexação da região por Israel após a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
SILÊNCIO NO PLANALTO
No Planalto, a orientação é não comentar os episódios publicamente, sobretudo para não atrapalhar os esforços para retirar os brasileiros da Faixa de Gaza. Internamente, no entanto, o governo reconhece que há uma proximidade do diplomata com parlamentares de oposição, sobretudo bolsonaristas. Por isso, a reunião com o ex-presidente foi mal recebida.
A aposta no Ministério das Relações Exteriores é que o ato do embaixador terá consequências políticas e de relacionamento diplomático. Um embaixador da ativa ouvido pela reportagem disse, sob condição de anonimato, que Zonshine deverá receber "um gelo". Ou seja, deverá ter mais dificuldades de ser recebido no Itamaraty e atendido pelo ministro Mauro Vieira, em razão da indisposição.
Entre políticos de esquerda, o encontro e as declarações do embaixador foram malvistos. A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que Zonshine "mais uma vez intrometeu-se indevidamente na política interna de nosso país, num ato público com o inelegível Jair Bolsonaro, realizado em pleno Congresso Nacional".
O também deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) foi adiante e pediu a expulsão do diplomata. Segundo escreveu em rede social, Zonshine "cruzou a linha do aceitável". "Criticou publicamente Lula e o governo", disse, "e agora se reúne com Bolsonaro e bolsonaristas para fazer política?" O petista encerra dizendo: "Basta. Que o Itamaraty avalie e requisite sua expulsão do País".
CRÍTICAS À OFENSIVA DE ISRAEL
Em Paris, onde participa da Conferência de Ajuda Humanitária, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, ex-chanceler Celso Amorim, também deu declarações críticas à ofensiva militar de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza.
"Eu reitero a condenação do Brasil dos ataques terroristas contra os israelenses e a tomada de reféns. No entanto, atos bárbaros como esses não justificam o uso indiscriminado da força contra civis", disse Amorim em discurso em inglês. "A morte de milhares de crianças é chocante. A palavra genocídio inevitavelmente vem à mente."