Ultradireitista Javier Milei se elege presidente da Argentina
Com uma inflação de três dígitos e no meio da pior crise econômica em duas décadas, os argentinos preferiram as promessas de mudança
O economista libertário e ultradireitista Javier Milei venceu, neste domingo (19), o segundo turno das eleições presidenciais da Argentina, uma vitória contundente que gera incertezas neste país mergulhado em sua pior crise econômica em duas décadas.
Milei obteve 55% dos votos contra 44% para o ministro da Economia, o peronista Sergio Massa, segundo os resultados parciais oficiais.
DESAFIO ARGENTINA
Com uma inflação de três dígitos e no meio da pior crise econômica em duas décadas, os argentinos preferiram as promessas de mudança e o discurso contra a classe política do candidato antissistema Milei.
"Estou muito contente. Acho que estávamos vivendo em uma ditadura disfarçada de democracia, onde não se podia escolher. Quero um país livre", disse à AFP Sonia dos Santos, professora de 36 anos, que comemorava, eufórica, a vitória de Milei.
O comando da campanha de Milei ficou cheio de apoiadores entusiasmados que cantavam seu lema, "a casta tem medo", em alusão à classe política, e também "Argentina sem Cristina" (Kirchner, a ex-presidente peronista) e "que todos vão embora, que não fique nenhum".
APOIO AO PRESIDENTE
Milhares de pessoas se deslocaram para o Obelisco de Buenos Aires para comemorar a vitória de Milei com bandeiras amarelas e com desenhos de leão, símbolo do presidente eleito e de seu partido, A Liberdade Avança.
A cientista política Laura Goyburu considerou que a vitória de Milei representa "o início de um novo ciclo político argentino".
"É bastante difícil antecipar como vão se reconfigurar as alianças nos próximos meses porque o que aconteceu hoje foi um terremoto, especialmente para o peronismo kirchnerista", apontou.
A Argentina é governada desde 2003 pelo peronismo de centro esquerda de Néstor e Cristina Kirchner, salvo por um intervalo de quatro anos de governo do direitista Mauricio Macri (2015-2019).
A posse de Milei, um economista de 53 anos, será em 10 de dezembro, para um mandato de quatro anos.
O índice de participação no pleito foi de 76% em um universo de 35,8 milhões de eleitores.
CAMINHO ECONÔMICO
om uma inflação de 143% em termos anuais, a Argentina enfrenta a pior conjuntura econômica nas últimas duas décadas.
Para recuperar a terceira maior economia da América Latina, Milei propõe medidas drásticas como a dolarização e o fechamento do Banco Central, para acabar com a inflação e a emissão de moeda.
"Acho que vai aproveitar os primeiros meses para fazer as reformas que havia proposto. Muito provavelmente, tentará tomar muitas decisões nos próximos meses", avaliou Goyburu.
Milei, que sempre trabalhou no setor privado, criou seu partido em 2021, quando foi eleito deputado.
Embora tenha tido uma votação expressiva nas eleições parlamentares parciais de outubro, seu partido, A Liberdade Avança, tem apenas sete dos 72 senadores e 38 dos 257 deputados.
Dos Santos não acredite que ele vá dolarizar a economia. "Não sei se vai poder fazê-lo realmente. Não concordo muito com isso. Mas sim com outras propostas, como a que quem rouba tem que pagar", disse.
ACORDO COM O FMI
A Argentina tem um acordo de crédito desde 2018 com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de 44 bilhões de dólares (quase 215 bilhões de reais na cotação atual), negociado pelo então presidente Macri, e aplica desde 2019 um sistema de controle cambial.
Esse acordo contempla um compromisso de reduzir o déficit fiscal para 0,9% do PIB em 2024, o que Milei considera insuficiente.
TRANSIÇÃO DE GOVERNO
Ao admitir sua derrota, Massa anunciou que, a partir de segunda-feira, serão adotados "mecanismos de ligação e transição democráticos para que os argentinos não tenham nem dúvidas, nem incertezas nos próximos 19 dias em relação ao normal funcionamento econômico, social, político e institucional".
"A partir de amanhã (segunda-feira), a responsabilidade de dar certezas é do novo presidente eleito e esperamos que o faça assim", acrescentou o ministro.
No comando de campanha de Massa, a tristeza tomou conta dos militantes, muitos com lágrimas nos olhos.
Camila Velaron, de 20 anos, foi uma das apoiadoras peronistas que caiu no choro. "Vamos voltar em quatro anos com tudo feito merda e reconstruindo os pedaços do país que ele vai deixar", disse a jovem, que juntamente com um grupo de amigas vestia uma camiseta com o lema "Todes unides venceremos", em alusão aos direitos coletivos feministas e LGBT.
Milei nega que exista uma brecha salarial entre homens e mulheres e rejeita o consenso de 30.000 desaparecidos na última ditadura (1976-1983), estabelecido por organizações de defesa dos direitos humanos. Ele estima que o número real seja de menos de um terço.
Além disso, afirma que as mudanças climáticas não são causadas pelas atividades humanas.