GUERRA

Com comemorações suspensas, Belém parece uma cidade fantasma na véspera de Natal

Em vez da tradicional marcha musical pelas ruas de Belém, jovens escoteiros permaneceram em silêncio com bandeiras

Imagem do autor
Cadastrado por

Estadão Conteúdo

Publicado em 24/12/2023 às 17:39
Notícia
X

O normalmente movimentado local de nascimento bíblico de Jesus parecia uma cidade fantasma neste domingo (24). As celebrações da véspera de Natal em Belém, na Cisjordânia, foram canceladas devido à guerra Israel-Hamas.

As luzes e a árvore de Natal que normalmente decoram a Praça da Manjedoura estavam faltando, assim como as multidões de turistas estrangeiros e as bandas de jovens que se reúnem na cidade todos os anos para marcar a data. Dezenas de integrantes das forças de segurança palestinas patrulhavam a praça vazia.

"Este ano, sem a árvore de Natal e sem luzes, há apenas escuridão", disse John Vinh, um monge franciscano do Vietnã que vive em Jerusalém há seis anos.

Ele disse que sempre vem a Belém para comemorar o Natal, mas este ano foi especialmente preocupante, ao contemplar um presépio na Praça da Manjedoura com um menino Jesus envolto em uma mortalha branca, uma lembrança das milhares de crianças mortas em Gaza. Arame farpado cerca a cena, os escombros cinzentos não refletem nenhuma das luzes alegres e explosões de cores que normalmente enchem a praça na época do Natal.

O cancelamento das festividades de Natal é um duro golpe para a economia da cidade. O turismo é responsável por cerca de 70% da receita de Belém, quase tudo isso na época do Natal.

Com muitas companhias aéreas cancelando voos para Israel, poucos estrangeiros estão visitando-a. Autoridades locais dizem que mais de 70 hotéis em Belém foram forçados a fechar, deixando milhares de pessoas desempregadas.

SEM MOTIVOS PARA CELEBRAR

As lojas de presentes demoraram a abrir na véspera de Natal, embora algumas tenham aberto quando a chuva parou de cair. Houve poucos visitantes, no entanto.

"Não podemos justificar colocar uma árvore e comemorar normalmente, quando algumas pessoas em Gaza nem sequer têm casas para onde ir", disse Ala'a Salameh, um dos donos do Afteem, um restaurante de faláfel de propriedade de sua família, a poucos passos da praça.

Salameh disse que a véspera de Natal costuma ser o dia mais movimentado do ano. "Normalmente, você não consegue encontrar uma única cadeira para sentar, estamos lotados de manhã até meia-noite", disse Salameh. Este ano, apenas uma mesa foi ocupada por jornalistas que fugiam da chuva.

Sob uma faixa que dizia "Os sinos de Natal de Belém tocam para um cessar-fogo em Gaza", alguns adolescentes vendiam pequenos Papais Noéis infláveis, mas ninguém estava comprando.

Em vez da tradicional marcha musical pelas ruas de Belém, jovens escoteiros permaneceram em silêncio com bandeiras. Um grupo de estudantes locais desfraldou uma enorme bandeira palestina enquanto permaneciam em silêncio.

"Nossa mensagem todos os anos no Natal é de paz e amor, mas este ano é uma mensagem de tristeza, pesar e raiva diante da comunidade internacional com o que está acontecendo na Faixa de Gaza", disse a prefeita de Belém, Hana Haniyeh, em discurso ao público.

Joseph Mugasa, pediatra, foi um dos poucos visitantes internacionais. Ele disse que o seu grupo de turistas de 15 pessoas, da Tanzânia, estava "determinado" a vir para a região, apesar da situação. "Já estive aqui várias vezes e é um Natal bastante único, pois normalmente há muita gente e muitas celebrações", disse. "Mas não podemos comemorar enquanto as pessoas estão sofrendo, por isso estamos tristes por elas e rezando pela paz."

MORTOS NA GUERRA

Mais de 20 mil palestinos foram mortos e mais de 50 mil feridos durante a ofensiva aérea e terrestre de Israel contra os governantes do Hamas em Gaza, segundo autoridades de saúde locais, enquanto 85% dos 2,3 milhões de residentes do território foram deslocados. A guerra foi desencadeada pelo ataque mortal do Hamas, em 07 de outubro, ao Sul de Israel, no qual militantes mataram cerca de 1.200 pessoas, a maioria delas civis, e fizeram mais de 240 reféns.

A guerra em Gaza foi acompanhada por um aumento da violência, com cerca de 300 palestinos mortos por fogo israelense na Cisjordânia.

Os combates afetaram a vida em toda a Cisjordânia. Desde 07 de outubro, o acesso a Belém e outras cidades palestinas no território ocupado por Israel tem sido difícil, com longas filas de motoristas à espera para passar pelos postos de controle militares. As restrições também impediram que dezenas de milhares de palestinos saíssem do território para trabalhar em Israel.

Amir Michael Giacaman abriu sua loja, "Il Bambino", que vende esculturas em madeira de oliveira e outros suvenires, pela primeira vez desde 07 de outubro. Não há turistas e poucos residentes têm dinheiro, porque os que trabalharam em Israel ficaram presos em casa.

"Quando as pessoas têm dinheiro extra, vão comprar comida", disse a sua mulher, Safa Giacaman. "Este ano, estamos contando a história do Natal. Estamos celebrando Jesus, não a árvore, não o Papai Noel", disse ela, enquanto sua filha Makaella corria pela loja deserta.

Os combates em Gaza estão na cabeça da pequena comunidade cristã na Síria, que enfrenta uma guerra civil já em seu 13º ano. Cristãos sírios disseram que tentam encontrar alegria, apesar dos conflitos em curso em sua terra natal e em Gaza.

"Onde está o amor? O que fizemos com amor?", questionou o reverendo Elias Zahlawi, sacerdote em Yabroud, uma cidade a cerca de 80 quilômetros ao norte de Damasco, capital da Síria. "Jogamos Deus fora do reino da humanidade e, infelizmente, a Igreja permaneceu em silêncio diante desta dolorosa realidade."

ESPERANÇA DE DIAS MELHORES

Alguns tentaram encontrar inspiração no espírito do Natal.

O patriarca latino Pierbattista Pizzaballa, chegando de Jerusalém para a tradicional procissão até a Igreja da Natividade, disse ao público escasso que o Natal é um "motivo de esperança", apesar da guerra e da violência.

O Natal simples está de acordo com a mensagem original da data e ilustra as muitas maneiras com as quais a comunidade está se unindo, disse Stephanie Saldana, de San Antonio, Texas, e que mora em Jerusalém e Belém há 15 anos com o marido, assistente paroquial da Igreja Católica Siríaca de São José.

"Sentimos o Natal mais real do que nunca, porque esperamos que o príncipe da paz chegue. Estamos à espera de um milagre para parar esta guerra", disse Saldana. Fonte: Associated Press

 

Tags

Autor