PROTESTOS

'O país não está à venda': opositores de Milei travam primeira disputa com governo da Argentina

Pelo menos 80.000 pessoas se manifestaram em Buenos Aires, segundo dados da polícia

Imagem do autor
Cadastrado por

AFP

Publicado em 24/01/2024 às 21:28
Notícia
X

Os sindicatos da Argentina fizeram, nesta quarta-feira (24), sua primeira demonstração de força contra o ajuste econômico e as reformas impulsionadas pelo governo do ultraliberal Javier Milei, com uma greve geral e protestos que reuniram dezenas de milhares de pessoas em todo o país com o lema: "O país não está à venda".

Sindicatos de azeiteiros, jornalistas, trabalhadores da cultura, de hospitais, da ciência, além de membros de associações de bairro, de defesa dos direitos humanos e outros setores participaram da manifestação em Buenos Aires, exibindo cartazes com as frases "Não à motosserra", "Não ao apagão cultural" e "Ciência ou terraplanismo".

"Vim apenas para me solidarizar com os trabalhadores e os aposentados porque querem destruir nossos direitos, temos que detê-los", disse à AFP Andrés Divisio, um aposentado de 71 anos que caminhava com um cartaz que dizia "Milei, fraudador".

O protesto foi convocado pela maior central sindical da Argentina, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), de orientação peronista, em rejeição às mudanças por decreto do regime trabalhista impulsionadas por Milei, que limitam o direito de greve e afetam o financiamento dos sindicatos.

Pelo menos 80.000 pessoas se manifestaram em Buenos Aires, segundo dados da polícia, embora as autoridades discordem deste número. A ministra da Segurança Patricia Bullrich escreveu na rede X que a marcha reuniu 40.000 pessoas e a considerou "um fracasso total", enquanto o porta-voz da CGT, Jorge Sola, informou à AFP que 500.000 pessoas participaram na capital e 1,5 milhão em todo o país.

No ato central do protesto, em frente ao Congresso Nacional, o sindicalista Pablo Moyano fez uma dura advertência ao ministro da Economia Luis Caputo: "Se continuar com estas medidas, os trabalhadores vão carregar o ministro nos ombros para jogá-lo no Riachuelo", referindo-se ao rio que demarca o limite sul de Buenos Aires.

Moyano fez alusão a um comentário de Milei, que está há apenas 45 dias no poder e havia dito que, se a inflação em janeiro fosse menor que 30%, seria preciso "carregar [Caputo] nos ombros". Este, por sua vez, escreveu na rede social X que esperava "o envolvimento da Justiça no assunto" pelo comentário do sindicalista.

Uma sociedade organizada

Desde que Milei assumiu o poder, fixou como objetivo conter a inflação galopante com base em dois grandes projetos: um Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que espera confirmação parlamentar ou judicial, e a chamada "lei ônibus".

"Pedimos aos deputados que tenham dignidade e princípios, que não traiam os trabalhadores e a doutrina do peronismo, que é defender os que menos têm", pediu o segundo orador, Héctor Daer, da CGT.

Juntos, o DNU e a "lei ônibus" somam mais de mil medidas, que buscam revolucionar o sistema econômico argentino, levando a ideia do livre mercado a praticamente todos os setores. Entre outras mudanças, revogam as regulações dos aluguéis, favorecem as privatizações e reduzem fortemente o financiamento da cultura e da ciência.

Victoria Valerga, bolsista do instituto de desenvolvimento científico CONICET, carregava um cartaz feito em casa que dizia "pesquisar é trabalhar". "Este governo é orgulhosamente anticiência, nem sequer se esforçam para escondê-lo", comentou à AFP a bióloga de 26 anos.

Iván Schuliaquer, cientista político da Universidade Nacional de San Martín, estimou que as propostas de Milei são "muito radicais em muitos aspectos" e que o governo enfrenta "uma sociedade civil bastante articulada, bastante organizada".

"E essa capilaridade política que existe na Argentina é muito forte e, de maneira muito clara, está no geral mobilizada contra Milei", acrescentou.

Embora as pesquisas indiquem que o presidente tem entre 47% e 55% de imagem positiva, também apontam uma queda em relação aos 55,7% de votos que obteve ao vencer as eleições.

Para o especialista, isso indica que a "lua de mel" está acabando.

Sindicalistas mafiosos

A greve geral foi acompanhada pela Confederação de Trabalhadores Argentinos (CTA), a segunda em tamanho, à qual se somaram em seguida sindicatos e organizações como as Avós e as Mães da Praça de Maio.

Outros milhares de manifestantes se reuniram em Corrientes, Rosario, Córdoba, Mendoza, Tucumán e Mar del Plata, entre outros pontos.

Em publicação no X, Bullrich chamou os organizadores de "sindicalistas mafiosos, gerentes da pobreza", e atacou os "juízes cúmplices e políticos corruptos, todos defendendo seus privilégios".

Na Avenida 9 de Julho, no centro da capital, houve alguns episódios de tensão quando a polícia tentava liberar faixas ao trânsito, adotando um novo e polêmico protocolo que regula os protestos.

Segundo o governo, as medidas de ajuste vão servir para conter uma inflação anual de 211%, recorde em 30 anos.

Além disso, a depreciação do peso em 50% e a liberação do preço dos combustíveis, entre outras medidas do novo presidente, reduziram fortemente o poder aquisitivo de assalariados e aposentados.

O protesto foi replicado em menor escala em Madri (Espanha), Montevidéu (Uruguai), Londres (Reino Unido), Berlim (Alemanha), Paris (França) e em frente à embaixada argentina em Brasília, entre outras cidades.

A estatal Aerolíneas Argentina, a maior companhia aérea do país, aderiu à greve e cancelou 196 dos seus voos, o que, segundo a Presidência, afetou cerca de 20.000 passageiros.

Tags

Autor