Argentinos fazem manifestação em massa pela memória da ditadura
Golpe militar que aconteceu há 48 anos deixou milhares de mortos e desaparecidos no país
Sob o lema "Hoje mais do que nunca, nunca mais", dezenas de milhares de argentinos saíam em passeata neste domingo, aniversário do golpe militar que deixou milhares de mortos e desaparecidos há 48 anos, e em repúdio ao governo de Javier Milei, que contesta o tratamento histórico da ditadura.
Esta é a primeira manifestação do Dia da Memória desde a posse do presidente de extrema direita, cujo discurso é considerado por líderes de organizações de direitos humanos como "negacionista" acerca dos fatos ocorridos durante o regime militar na Argentina (1976-1983).
Cartazes com frases como "Memória sim, medo não" e "Está tudo guardado na memória" foram exibidos em Buenos Aires, epicentro da convocação liderada pelo coletivo Mães e Avós da Praça de Maio, que se dedica há décadas a recuperar os filhos e netos de desaparecidos.
"Os principais civis do terrorismo de Estado continuam, em sua maioria, impunes: são o poder econômico e empresarial do genocídio. Exigimos julgamento e castigo já", disse Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio.
A maior passeata em anos "é o grito de rebeldia de um povo frente a um governo fascista que quer destruir a pátria", disse à AFP Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Nobel da Paz de 1980.
Ao meio-dia, hora da convocação, o governo divulgou um documentário de 13 minutos intitulado "Dia da Memória pela Verdade e Justiça. Completa", que começa com a entrevista de uma vítima de um movimento guerrilheiro de esquerda (ERP) nos anos 1970.
O escritor Juan Bautista Yofre, narrador do curta, afirma que a história como é lembrada foi desenhada para responder a interesses econômicos de organizações de defesa dos direitos humanos e dos governos democráticos posteriores.
MILEI MINIMIZA DITADURA
Tanto Milei quanto sua vice-presidente, Victoria Villarruel, próxima dos militares, questionam o número de desaparecidos consensualmente aceito por organizações de direitos humanos, de 30 mil, e afirmam que a cifra real é próxima de 8.700.
O ex-guerrilheiro Luis Labraña, sequestrado pelo governo militar, relata no vídeo do governo que o número de desaparecidos da ditadura foi uma mentira para levantar dinheiro.
Taty Almeida, líder das Mães da Praça de Maio, contestou durante o protesto: "Estamos diante de um governo negacionista, Victoria Villarroel diz que aqui não houve genocídio, e sim uma guerra. Não!"
Durante sua campanha presidencial, Milei havia discursado que houve "uma guerra" nos anos 1970, na qual foram cometidos "excessos".
Para muitas pessoas, seu argumento relativiza a existência de um plano sistemático de eliminação de opositores, comprovado em centenas de julgamentos.
Na Praça de Maio, a multidão exibia cartazes com frases como "30.000 razões para defender a pátria" e "30.000 de verdade".
Em um evento inédito, os principais centros sindicais do país se uniram pela primeira vez à convocação, em um contexto de severa crise econômica, com 276% de inflação anual e mais da metade dos 46 milhões de argentinos vivendo abaixo da linha da pobreza.
Após 48 anos do golpe, 1.173 pessoas foram condenadas por crimes de lesa-humanidade em 316 sentenças proferidas em todo o país.