Mercosul e UE anunciam acordo para tratado de livre comércio
Impulsionados pelo Brasil, mas também por Alemanha e Espanha, os dois blocos aceleraram as negociações para tentar concluir o texto

O Mercosul e a União Europeia anunciaram, nesta sexta-feira (6), em Montevidéu, que alcançaram um acordo para um tratado de livre comércio, apesar da forte oposição de países como França e Itália.
"Concluímos as negociações para o acordo União Europeia-Mercosul. É o começo de uma nova história", disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em uma declaração à imprensa, acompanhada pelos presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, para anunciar o entendimento após 25 anos de negociações.
"Agora espero discutir isso com os países europeus", acrescentou Von der Leyen, referindo-se ao fato de que, para entrar em vigor, esse compromisso deve ser ratificado pela maioria dos membros da UE.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrou o anúncio: " Após dois anos de intensas tratativas, temos hoje um texto moderno e equilibrado, que reconhece as credenciais ambientais do Mercosul e reforça nosso compromisso com os Acordos de Paris.", disse durante a cúpula do bloco sul-americano em Montevidéu.
"É importantíssimo que o mundo se abra para nós", afirmou, por sua vez, o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, cujo país exerce a presidência pro tempore do Mercosul, falando sobre o acordo como "uma oportunidade" não apenas comercial.
Impulsionados pelo Brasil, mas também por Alemanha e Espanha, os dois blocos aceleraram as negociações para tentar concluir o texto antes da chegada de Donald Trump e sua guerra tarifária à Casa Branca, em janeiro.
A Comissão Europeia, e não os governos, segundo os estatutos da UE, é a responsável por negociar acordos comerciais.
Mas França e Itália manifestaram, até mesmo durante a visita de Von der Leyen a Montevidéu, que, apesar do entendimento sobre o texto, o processo de ratificação enfrentará um muro de resistência.
A questão central é a proteção do setor agropecuário, que acredita que terá que competir em desvantagem com o Cone Sul.
"Ouvimos as preocupações"
Nesta sexta-feira, a ministra francesa do Comércio Exterior, Sophie Primas, foi clara sobre o passo dado pelo Mercosul e a UE: "Hoje claramente não é o fim da história. O que acontece em Montevidéu não é uma assinatura do acordo, mas apenas uma conclusão política da negociação. Isso compromete apenas a Comissão, não os Estados membros", disse em uma declaração enviada à AFP.
Polônia, Áustria e Países Baixos também são reticentes a um acordo comercial com o Mercosul, tratado que daria origem a um mercado de 700 milhões de pessoas.
No lado oposto, o chanceler alemão, Olaf Scholz, celebrou nesta sexta-feira que "o acordo político entre os países do Mercosul e a UE está feito. Superou-se um obstáculo importante".
O chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, qualificou de "histórico" o entendimento anunciado.
Von der Leyen tentou acalmar as preocupações de Paris e Roma.
"Ouvimos as preocupações dos nossos agricultores e agimos de acordo. Este acordo inclui robustas salvaguardas para proteger nosso sustento", explicou em Montevidéu.
O Greenpeace afirmou em um comunicado em Bruxelas que um acordo de livre comércio UE-Mercosul seria "tóxico".
"Vinte e cinco anos de conversas secretas e portas fechadas (...) resultaram hoje em um entendimento que aumentará o comércio de carne, pesticidas e plásticos, com impactos desastrosos sobre a Amazônia, o clima e os direitos humanos", disse Lis Cunha, porta-voz da ONG. "Pedimos a todos os políticos na Europa e nos países do Mercosul que ouçam a oposição pública generalizada e votem contra", concluiu.
Divergências
Por quase 25 anos, o Mercosul negociou um TLC com o bloco europeu, sendo este adiado inúmeras vezes, em meio a tensões sobre questões sensíveis como a proteção ambiental e as compras governamentais.
Já em 2019, a UE e o Mercosul haviam anunciado a conclusão de um pacto, mas o processo ficou estagnado sem ratificação.
O Mercosul tem seus próprios dilemas internos, que também afetaram as negociações.
O presidente argentino, Javier Milei, foi contundente em sua primeira cúpula do Mercosul, já que não havia participado da anterior em Assunção
"O Mercosul, que nasceu com a ideia de aprofundar nossos laços comerciais, acabou se tornando uma prisão que não permite que seus países membros aproveitem nem suas vantagens comparativas nem seu potencial exportador", afirmou o economista ultraliberal. O Mercosul não permite que seus membros negociem acordos com terceiros sem a anuência dos outros parceiros.
O Mercosul, fundado em 1991 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e que recentemente incorporou a Bolívia, recebeu nesta sexta-feira o Panamá como membro associado externo.
ASSINATURA DO ACORDO
Negociadores do governo brasileiro esperam que o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia seja assinado até o final do próximo ano, disseram fontes consultadas pelo Estadão/Broadcast. Essa etapa vai depender da conclusão prévia de duas fases: a revisão legal e a tradução dos textos. Depois de assinado, o tratado ainda não estará em vigor, já que isso depende da internalização e da ratificação do acordo comercial.
O ritmo da revisão legal e da tradução dos textos, processo que levará meses, também dependerá em parte da nova presidência do Mercosul, assumida pela Argentina de Javier Milei. O país vizinho assumiu a liderança pro tempore nesta sexta-feira, 6, durante a cúpula de chefes de Estado em Montevidéu.
Embora tenha apoiado o tratado comercial, a favor de uma maior flexibilização comercial, Milei é um crítico do bloco sul-americano, e reforçou sua visão hoje ao classificar o Mercosul como uma "prisão". Por sua vez, no segundo semestre de 2025, será a vez de o Brasil assumir a presidência pro tempore, o que alimenta as expectativas de que, até o final desse ciclo, o acordo possa ser assinado.
Segundo o governo brasileiro, o processo de revisão legal do acordo, voltado a assegurar a consistência, harmonia e correção linguística e estrutural aos textos, está avançado. Concluída esta fase, o tratado passará por tradução da língua inglesa para as 23 línguas oficiais da União Europeia e as 2 línguas oficiais do Mercosul - espanhol e português.
Depois vem a etapa da assinatura. Em seguida, as partes encaminharão o acordo para os respectivos processos internos de aprovação. No Brasil, tal processo envolve os Poderes Executivo e Legislativo, por meio da aprovação do Congresso Nacional.
Na ratificação, as partes notificam sobre a conclusão dos respectivos trâmites internos e confirmam seu compromisso em cumprir o acordo. Como mostrou o Estadão/Broadcast hoje, o retorno da cúpula entre Brasil e União Europeia, anunciado hoje pelo governo brasileiro terá, entre outras metas, criar a formulação de estratégia comum para assegurar a aprovação final e a ratificação do tratado comercial. A cúpula não se reunia desde fevereiro de 2014, quando o encontro foi promovido em Bruxelas, na Bélgica.
Ainda não há data nem local definidos para a reunião, mas já ficou acertado entre as partes que ela será no Brasil e, provavelmente, em algum momento do primeiro semestre do ano que vem.
COMÉRCIO
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) emitiu nota nesta sexta-feira (6), celebrando a conclusão "do acordo histórico" entre o Mercosul e a União Europeia, anunciado em Montevidéu pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e pelos líderes dos países do bloco sul-americano, entre eles o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
"Esse acordo abre novos horizontes para nossas empresas, promovendo maior competitividade, acesso a mercados globais e oportunidades de negócios para os setores de bens, serviços e turismo", declarou o presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac, José Roberto Tadros, em comunicado distribuído à imprensa.
Segundo a CNC, o documento representa um "marco" e significa um avanço significativo na integração econômica entre os dois blocos comerciais, somando um mercado consumidor de mais de 700 milhões de pessoas e um Produto Interno Bruto (PIB) combinado de US$ 22,3 trilhões.
"A CNC reconhece a relevância estratégica do acordo para o fortalecimento das relações comerciais, a geração de novas oportunidades econômicas e a consolidação de laços históricos e culturais entre os blocos", divulgou a entidade.
INDÚSTRIA
O Acordo do Mercosul com a União Europeia (UE) é benéfico para a diversificação das exportações da indústria brasileira, disse a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo a confederação, o acordo também fortalece a competitividade do Brasil em nível global, com a ampliação da base de parceiros comerciais. Para o presidente da CNI, Ricardo Alban, ele cria oportunidades para agregar valor à pauta exportadora, contribuindo para o crescimento econômico do País.
"Além de diversificar nossas exportações e ampliar a base de parceiros comerciais, elevando o acesso preferencial brasileiro ao mercado mundial de 8% para 37%, o acordo trará uma inserção internacional alinhada com a agenda de crescimento inclusivo e sustentável, o que é essencial para garantir ganhos econômicos e sociais de longo prazo e reforçar a competitividade global do país", afirmou Alban.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também vê com bons olhos o anúncio do acordo. Em nota, a entidade disse que vê com "satisfação" a conclusão das negociações comerciais entre os dois blocos.
"A finalização do acordo é oportuna, pois garante aos membros do Mercosul um instrumento poderoso para lidar com as mudanças comerciais e geopolíticas em curso", disse a Fiesp.
Segundo a federação, o Mercosul e a UE dão exemplo ao concluir o acordo, em um momento "em que os países parecem estar optando por protecionismo". A Fiesp também acredita que, além do potencial de alavancar o comércio, o acordo deve estimular o investimento produtivo de longo prazo.
"A conclusão do acordo com a UE atende a reivindicação da Fiesp por uma inserção externa qualificada do Mercosul. Também reconhece as boas práticas ambientais e de sustentabilidade do setor produtivo brasileiro. A indústria confia que será um espaço de diálogo para a promoção do comércio em bases justas, como forma de superar eventuais medidas que restrinjam o fluxo de bens e serviços entre os blocos econômicos", disse a Fiesp.
AGRICULTURA
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, classificou o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia como "muito importante" para a agropecuária brasileira. Para Fávaro, o acordo vai permitir maior "liberdade comercial" para exportação de produtos agropecuários do Brasil. "Esse acordo prevê, por exemplo, tarifa zero para frutas, café e outros produtos brasileiros e cotas importantes (com tarifas reduzidas) para exportação de açúcar, carne de frango, carne bovina e etanol", detalhou o ministro.
Segundo Fávaro, o Brasil vai mostrar a sua competência com o acordo, podendo acessar mercado relevante, como a União Europeia. "O presidente Lula se dedicou, todos nós trabalhamos e o resultado está aí. Com a tradução do acordo, a implementação dele nos próximos meses, vamos aproveitar as oportunidades econômicas. O Brasil e o Mercosul ganham muito com esse acordo formalizado", concluiu.