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Maurício Romão e Antonio Lavareda em choque de opiniões sobre as pesquisas eleitorais

Sequência de artigos dos intelectuais no JC discorrem sobre as distorções entre os levantamentos dos institutos e o resultado real das urnas

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JC

Publicado em 02/01/2021 às 10:32 | Atualizado em 02/01/2021 às 10:45
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Desde as eleições gerais de 2018, discrepâncias em resultados apresentados por institutos de pesquisas eleitorais entre levantamentos de intenção de voto e os resultados reais das urnas viraram motivo de desconfiança dos eleitores e de muita análise dos especialistas.


Em uma sequência de artigos na página de Opinião do JC - nos dias 21/12/2020, 26/12/2020 e 02/01/2021 -, Maurício Carlos Romão (Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois) e Antonio Lavareda (presidente do Conselho Científico do Ipespe) se sucedem em argumentos descordantes sobre o que pode ser a questão central (ou as questões centrais) para distorções.

Confira abaixo os artigos publicados até agora:

Pesquisas de abstenções

Por Maurício Costa Romão

Em 53 grandes cidades brasileiras, incluídas 18 capitais de estado, houve 2º turno nas eleições municipais de 2020. Em todas essas capitais o Ibope fez pesquisa de véspera do pleito ou em dias imediatamente anteriores. Levando em conta somente os votos válidos, houve erro de estimativa do instituto, fora da margem de erro amostral, em 12 das 18 capitais.


Aventou-se a hipótese de que tais erros estavam sendo potencializados por conta da passagem de votos totais (incluem os brancos, nulos e indecisos, o não-voto) para votos válidos nas pesquisas, recurso necessário para comparabilidade com números oficiais dos pleitos.


Tecnicamente, essa passagem envolve duas suposições implícitas: [1] que os dados subtraídos de não-voto se distribuem proporcionalmente às intenções de voto dos candidatos e [2] que a quantidade de indecisos seja uma proxy para abstenção.


À guisa de exemplo: nas três pesquisas de antes do 2º turno no Recife (Ipespe, Ibope e Datafolha) as intenções de voto totais de João Campos e Marília Arraes foram exatamente 42% a 42%, e brancos, nulos e indecisos 16%.


O item (1) acima pressupõe que esses 16% foram repartidos proporcionalmente na base de 8 pontos para João e 8 pontos para Marília, de sorte que em votos válidos eles lograssem 50% e 50% de intenção de votos. Não foi o que aconteceu. Nas urnas, João teve 56,3% e Marília 43,7%.


No item (2) reside outra distorção. Nas três pesquisas mencionadas os indecisos somaram apenas 3%, na média. Já a abstenção chegou a 21%, uma diferença de 18 pontos.


Considerando agora somente os votos totais, também ocorreram erros de estimativa do instituto em 12 das 18 capitais. Na comparação entre as duas categorias, todavia, os desvios das estimativas relativamente aos resultados das urnas foram quase iguais, tanto em votos totais quanto em votos válidos.


Isso implica inferir que a passagem de votos totais para votos válidos não é a causa dos erros de estimativa dos institutos e que, portanto, dizer-se que a alta abstenção do pleito foi responsável por tais erros não encontra respaldo na evidência empírica (se assim fosse, os erros em votos válidos seriam muito maiores do que em votos totais).


O que está havendo, então? O que se sabe, por enquanto, é que os institutos de pesquisa estão com dificuldades de lidar com [a] a volatilidade do voto (o eleitor está decidindo o voto na undécima hora); [b] o comportamento errático do eleitor (cada vez mais “líquido”, despolitizado, indecifrável) e [c] a caixa preta do não-voto.

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos

Crítica injusta

Por Antonio Lavareda

Nesses tempos de fake news, terraplanismo e manifestações anticiência, aumenta a responsabilidade dos intelectuais diante da sociedade perplexa com informações desencontradas. Maurício Romão fez uma crítica injusta às pesquisas aqui no JC. Afirmou que "houve erro de estimativa, fora da margem de erro amostral, em 12 das 18 capitais pesquisadas". E ilustrou com o exemplo local, onde três institutos apuraram percentuais 50-50 às vésperas do pleito, depois João obtendo 56.3% e Marília, 43.7%.


Maurício não ajudou a compreensão do que houve nessas eleições. Confundiu estimativa de intenções de voto no momento da pesquisa com prognóstico de comportamento na urna. O que exigiria adicionar outras variáveis (Nate Silver, 2020). Esse equívoco é frequente no jornalismo, mas é indesculpável para os especialistas. Corresponde a supor que a intensa mudança das preferências dos recifenses, que davam dia 24 no Ipespe uma dianteira de oito pontos para Marília e dia 28 um empate,deveria ser congelada até digitarem o voto dois dias depois.


Cidadãos paralisados como no jogo da "estátua". Na manhã da votação,na Rádio Jornal, adverti sobre essa dinâmica entre os eleitores de direita e apontei a imprevisibilidade decorrente da abstenção - inusuale - oculta - queafetaria desigualmente os candidatos,como a ciência política sabe há décadas.


Romão tinha motivos para não confundir alhos com bugalhos. Em 03/10/2014, ele divulgou nota nos blogs anunciando em detalhes o que aconteceria na disputa ao Senado dois dias depois, com base exclusivamente na última pesquisa do Instituto Maurício de Nassau que dirigia. Cravou "FBC com 54% e João Paulo com 44%". E garantiu "uma diferença de 400 mil votos". Pois bem, FBC que vinha em alta acelerou nas urnas, tendo 64,3% contra 34,8% do adversário. A diferença foi de 1.219.220 votos. Mais de três vezes o prognosticado. E sequer a abstenção havia aumentado.

Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Ipespe

Pesquisas e resultados das urnas

Por Maurício Costa Romão

Em artigo no JC (21/12) fiz uma avaliação das pesquisas do 2º turno nas capitais em 2020, tendo o Ibope como referência, concluindo que a alta abstenção ocorrida no pleito não poderia ser responsabilizada pelos erros de estimativa das pesquisas em comparação com os resultados das urnas, e perguntava, ad litteram: "O que está havendo, então?


O que se sabe, por enquanto, é que os institutos de pesquisa estão com dificuldades de lidar com [a] a volatilidade do voto (o eleitor está decidindo o voto na undécima hora); [b] o comportamento errático do eleitor (cada vez mais "líquido", despolitizado, indecifrável) e [c] a caixa preta do não-voto".


Antônio Lavareda ("Crítica Injusta", JC, 26/12) não comenta essas dificuldades e prefere alegar que eu confundo "estimativa de intenção de voto com prognóstico de comportamento na urna", e que "esse erro é frequente no jornalismo, mas indesculpável para os especialistas".


Quer dizer, se três pesquisas imediatamente antes da eleição dão 50% para João e 50% para Marília e no dia do pleito as urnas mostram João com 56,3% e Marília com 43,7%, é um erro indesculpável comparar esses números. Intenção de voto é uma coisa, "comportamento na urna" é outra coisa...


Esse contorcionismo com as palavras é sempre usado como escudo pelos institutos. Site do Ibope: "o objetivo de uma pesquisa não é antecipar os resultados da eleição, mas sim o de mostrar o cenário no momento em que foi realizada... por isso, seus resultados não podem ser usados para prever o resultado das urnas".


Manchete no mesmo site no 2º turno, depois de apresentar as intenções de voto: "Dr. Pessoa deve ser eleito prefeito de Teresina amanhã". Isso é "antecipar resultados" ou as palavras mudaram de significado?
Na sua catilinária, Lavareda desenterra a eleição para senador em 2014 na qual previ vitória de FBC contra João Paulo com uma diferença de 400 mil votos, e enfatiza que o resultado foi "mais de três vezes o prognosticado".


Por conveniência, o professor não menciona que um dia antes da eleição o Ibope apresentava FBC com 45% e João Paulo bem à frente com 52%. Em sentido contrário dessas estimativas, com base nas pesquisas do IPMN (a última, cinco dias antes do pleito), projetei que quem ia ganhar era FBC e ainda arrisquei afirmar com quantos votos. Tudo de forma transparente, sem fazer malabarismos com as palavras.

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos

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