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O Príncipe e o piso (uma alegoria)

Havia, em uma época não muito distante, um Principado (onde quem mandava mesmo era a Rainha Renée, A Primeira-Sem-Segunda), em que o Príncipe John Fields I, herdeiro de uma longa dinastia, tinha o hábito - aliás, semelhante ao do cavalo de Átila, que onde pisava a grama não mais renascia

FLÁVIO BRAYNER
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FLÁVIO BRAYNER
Publicado em 08/03/2022 às 6:07
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Havia, em uma época não muito distante, um Principado (onde quem mandava mesmo era a Rainha Renée, A Primeira-Sem-Segunda), em que o Príncipe John Fields I, herdeiro de uma longa dinastia, tinha o hábito - aliás, semelhante ao do cavalo de Átila, que onde pisava a grama não mais renascia - de pisar em qualquer piso: pisos morais (que quando pisados não mais renascem), pisos políticos (aqueles que sempre descem e sobem em função de interesses), pisos salariais (aqueles que se prometem e nunca se cumprem), e como aquele lendário cavalo do Rei dos Hunos, onde “pisava” o piso não mais crescia!

Não aguentava mais os clamores de seus súditos exigindo piso onde pisar. E o piso que ele pisava não era o mesmo em que pisavam seus súditos. Consultou, certa vez, seus Conselheiros, todos comissionados (e que nunca pisaram por lá), sobre o quê fazer: “Há pisos, disse um deles, que precisamos pisotear, massacrar, esmagar. Mas precisamos adorar os que moram no piso de baixo, porque deles é o Reino dos Céus: são eles que nos elevam aos pisos superiores onde o Principado principia!”. Outro Conselheiro, homem sábio e conhecido latinista, também solicitado a dar sua opinião, saiu-se com uma citação clássica: “- Pimentorum in anus alter refrigerium est!”.

Lá fora, onde se pisa na lama, os súditos pediam apenas que o direito de ter um piso onde pisar lhes fosse garantido. Mas o Príncipe, surdo, pisava no direito, pisava nos súditos, pisava no piso, pisava, pisava...
Os súditos, cansados de serem pisados, se rebelaram: queriam o piso onde pisar.

“Vou falar com a Rainha Renée, a Primeira-Sem-Segunda, a que pisa leve, mas joga pesado”, disse o Príncipe! E a sábia Rainha-Mãe lhe disse: - “Meu filho, amado filho, não pise assim nos já pisados, naqueles que todos os dias constroem o piso onde se ergue nosso Principado. Dê a eles a elevação do piso onde pisar, mas eleve também o nosso teto, para que não caminhemos curvados: Príncipe não se curva! Afinal, filho amado, a vida se move entre ALTOS E BAIXOS, entre o PISO e o TETO: para os pobres, PISO, para nós, o elevadíssimo TETO”. Que Rainha, que perspicácia, que sabedoria, que visão da vida!
Mas, certo dia, os “pisados” se ergueram e disseram: -“Neste piso, que é nosso direito, ninguém pisa!” E o Príncipe, coitado, levou tanta pisa que, hoje, onde ele pisa nem o cavalo de Átila quer pisar!
MORAL DA HISTÓRIA: QUEM PISA O PISO TERMINA LEVANDO PISA!

Flávio Brayner, professor titular da UFPE

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