Eleições americanas: voto popular e colégio eleitoral

Nem sempre o candidato mais votado é eleito. Na verdade, a eleição é indireta e, em última instância, o presidente é escolhido por colégio eleitoral

Publicado em 02/11/2024 às 15:34

Nas eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2016 era grande a expectativa de uma vitória da democrata Hillary Clinton sobre o republicano Donald Trump, expectativa alimentada por alvissareiros números da candidata nas pesquisas, em que ostentava vantagem de cerca de quatro pontos, em média. Diz-se até que o New York Times tinha já pronta a manchete post factum: “Madame Presidente”. Abertas as urnas, Clinton teve 65,8 milhões de votos, quase três milhões a mais que Trump, mas o presidente eleito foi o republicano, causando estarrecimento no mundo todo. É que o sistema eleitoral americano difere daquele das democracias presidencialistas.

Com efeito, nem sempre o candidato mais votado é eleito. Na verdade, a eleição é indireta e, em última instância, o presidente é escolhido por um colégio eleitoral. Quando os americanos vão às urnas e votam nos postulantes a presidente eles estão escolhendo os 538 delegados que representarão seus estados no colégio eleitoral. O candidato que tiver maioria de votos em determinado estado, qualquer que seja o tamanho dessa maioria, fica com todos os delegados desse estado (“the winner takes it all”).

Por essa sistemática, Trump obteve 77 delegados a mais que Clinton e tornou-se presidente, inobstante tenha perdido na votação popular. Na eleição de 2000 os americanos já haviam passado por algo semelhante e numericamente mais traumático. O democrata Al Gore ganhou no voto popular por cerca de 500 mil votos e perdeu a eleição para o republicano George Bush por apenas cinco votos no colégio eleitoral (episódio retratado em famoso documentário da HBO).

As recentes pesquisas eleitorais no país sugerem que esse fenômeno pode acontecer de novo no pleito deste ano.

Depois da desistência do presidente Joe Biden de concorrer à reeleição, cuja derrota para Trump era esperada, a indicação da vice-presidente Kamala Harris para substitui-lo trouxe novo alento ao Partido Democrata e, de resto, foi bem recebida em vários países, temerosos de que o estilo Trump pusesse em risco valores democráticos universais e balançasse as placas tectônicas da geopolítica dos Estados Unidos no mundo contemporâneo.

A convenção democrata, o debate televisivo com Trump, a arrecadação de recursos para a campanha, a adesão de políticos de estirpe e de celebridades artísticas, os discursos etc., causaram grande euforia nas hostes do partido e em boa parte dos americanos. Na esteira desse movimento, as pesquisas exibiam generosos números atestando o alto astral da campanha azulada.

Esse momentum de Kamala Harris, contudo, mostrou ter perdido ímpeto. De fato, embora ainda apresentando empate técnico e quase numérico, as pesquisas eleitorais nacionais que antes favoreciam a democrata, hoje pendem ligeiramente para Trump, segundo a média do agregador Real Clear Politics (RCP).

O arrefecimento de desempenho da candidata deu-se no mês de outubro, perigosamente na reta final da eleição. Examinando-se as 55 pesquisas desse mês, catalogadas no RCP, os gráficos revelam que a linha de tendência de intenção de votos da democrata vem com inclinação negativa (embora ainda acima da de Trump) e a linha de Trump se projeta ascendente. Perto do final do mês as linhas se cruzam e a de Trump então se posta acima da de Kamala.

Também nos sete e decisivos estados-pêndulos (swing states), onde imperam as incertezas de preferência dos eleitores por democratas ou republicanos, as pesquisas indicam uma pequena vantagem de Trump na média agregada (0,9 ponto percentual), mas com vitória em cinco deles, o que o faria conquistar 68 delegados dos 93 destes estados, fosse hoje a eleição.

Em termos do colégio eleitoral, os números do RCP projetam vantagem de 36 delegados para Trump (287 contra 251). Por último, expressando o sentimento médio dos americanos quanto ao desfecho do pleito, as oito maiores casas de apostas dos Estados Unidos registram que as chances de Trump ganhar são da ordem de 60,6% e as de Kamala são de 38,1%.

A julgar pelos números descritos, Trump deve vencer a eleição no voto popular e no colégio eleitoral, ou apenas neste último.

*Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

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