Curto & Grosso/Crônica

Caminhadas de um mascarado pelo calção

Máscara, quem diria, virou equipamento ideológico

JC
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JC
Publicado em 19/07/2020 às 13:29 | Atualizado em 19/07/2020 às 21:10
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Máscara ideológica - FOTO: divulgação

Fim de tarde, calçadão, brisa marinha, cheiro de mar, no céu as cores do arrebol. Maloqueros lançam pedras nos coqueiros, a fim de cocos verdes. Mal começo este papo dominical, permitam-me que tergiverse. Foi agora, durante este período de prisão domiciliar, que descobri que rosicler é sinônimo de arrebol. Já conheci gente chamada Rosicler, mas Arrebol, nunca. Aliás, Arrebol é o título de um livro de poemas do meu avô materno.
Vou voltar ao curso do papo, tá legal pra senhora? Curioso como 'legal', ou 'tudo legal' nunca saiu de uso. Nem mesmo nos últimos anos, em que todo dia criam novas expressões, feito capilaridade, que o povo ouve e não tem ideia do que se trata. Como dizia, ao ser tão rudemente interrompido pela minha própria pessoa, caminhava pelo calçadão, pensando nas duas latinhas que postei pra gelar antes de sair.
Felizmente não deixam colocar barzinho na orla de Boa Viagem, que é pra espantar os turistas. Porque nem carecia esfriar as cervas. Talvez nem caminhasse mais. Aboletava-me num bar, pedia um chope e salaminho. Caminho não pra emagrecer, nem pra viver mais. Faço-o pra não entrevar, porque desde que a peste me trancafiou em casa, movimento-me muito pouco. Como não sei guiar carro, nem bicicleta, ando muito a pé. Não me considero sedentário. Sedento, talvez.
Mas lá vou eu atravessando a conversa. Retomando. Fim de tarde, calçadão, brisa marinha, cheiro de mar, no céu as cores do arrebol, as pessoas têm até a fugaz impressão de que voltou o velho normal. Mas caem em si, quando sentem a máscara empatando que se desfrute o aroma do mar. As máscaras nos fazem lembrar que vivemos numa sociedade politicamente rachada. Máscara virou equipamento de esquerda. 'Equipamento' entrou na moda. Até papel higiênico virou equipamento.
Muitas pessoas não usam máscara para caminhar o ou correr. Várias, quando cruzam com a gente, nos olham com jeito de 'vai encarar?' Caminhar com raiva é estranho. Aliás, de vez em quando caminho com raiva, mas de mim mesmo. Quando volto do supermercado, porque esqueci a carteira, ou da esquina quando, no vexame, dá um branco e não me lembro da máscara. E eu que nunca use máscara nem em carnaval.

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