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Jogo do poder e a ameaça ao estado democrático de direito

"No clássico Os Donos do Poder - A Formação do Patronato Brasileiro, o grande jurista Raimundo Faoro descreveu os chamados estamentos (conjunto de direitos, deveres e privilégios reconhecidos publicamente por todos e aceitos como naturais) que historicamente exercem o poder no Brasil". Leia a opinião de Edson Luiz Vismona

Edson Luiz Vismona
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Edson Luiz Vismona
Publicado em 13/02/2021 às 6:04
FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/ABR
Eleitor esquece em quem votou e os eleitos esquecem porque foram eleitos - FOTO: FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/ABR
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No clássico "Os Donos do Poder - A Formação do Patronato Brasileiro", o grande jurista Raimundo Faoro descreveu os chamados estamentos (conjunto de direitos, deveres e privilégios reconhecidos publicamente por todos e aceitos como naturais) que historicamente exercem o poder no Brasil. Tratam-se de demonstrações - como por exemplo, o patrimonialismo e a troca de favores como fator de estabilidade de quem é eleito - de que os interesses da sociedade não são compreendidos pelo Estado que sustenta. Parece até que o sinal que a urna eletrônica emite ao final da votação teria um efeito hipnótico: o eleitor esquece em quem votou e os eleitos esquecem porque foram eleitos.

Na prática, a defesa do bem comum fica em segundo plano. Não obstante os discursos de campanha eleitoral afirmarem o contrário, a formação de coalizões resulta no loteamento de cargos, não importando a capacitação técnica de quem vier a exercê-los ou a busca de resultados. Deturpando conceitos com argumentos que não se sustentam, há quem afirme que o equilíbrio dos gastos públicos ocasionaria a retirada de recursos para as causas sociais ou seria afetado o poder da administração pública na atuação do governo.

A estrutura que suporta os governos, apontada por Faoro, estimula a ineficiência e o desperdício de recursos públicos. Por outro lado, é fácil identificar na execução orçamentária de qualquer ente federativo que o volume mais expressivo de recursos sustenta a máquina administrativa em prejuízo da atividade fim, que é atender o cidadão. Não bastasse essa estrutura disfuncional histórica do Estado brasileiro, ainda sofremos com o crescimento da corrupção que se arraigou e interfere diretamente na administração pública. E, para piorar, se constata o avanço da ação de organizações criminosas que vão deixando as chamadas "franjas" da sociedade e procuram não só influenciar as decisões políticas, mas exercê-las diretamente, dominando territórios, se financiando com o mercado ilegal e procurando assumir o poder político.

Temos assim outros candidatos a "donos do poder", que se entrelaçam, ameaçando o Estado Democrático de Direito e influenciando nossos destinos sem qualquer preocupação com valores e princípios da cidadania. O ideal republicano fica distante, a defesa do interesse nacional parece uma utopia e a garantia de privilégios é o objetivo. Para enfrentar essas ameaças, algumas ações podem ser apontadas: a retomada da esquecida reforma política e uma administrativa significativa, acrescidas do combate à impunidade e fortalecimento dos programas de integridade, são iniciativas urgentes. Em verdade, a sociedade civil e os setores produtivos devem se articular na defesa de propostas e na cobrança de atitudes por parte dos Poderes da República.

Edson Luiz Vismona, presidente do Instituto ETCO

 *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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