Ao advogado não é concedido o direito de criar suas próprias leis. Não é permitido ao engenheiro desprezar os cálculos e dizer "acho que dá". O padeiro não pode fazer a mistura que quiser e dizer que é pão.
Tirando a imaginação e a arte, para quase tudo existem regras, limites, direitos e deveres.
Assim é a medicina.
Já houve um tempo em que imperava o empirismo e o médico prescrevia repouso e dieta para tudo, impondo um castigo adicional aos doentes.
Surgiu a ciência médica, assim como a jurídica, a odontológica e tantas outras. O dentista não pode tratar a cárie com o material que quiser e muito menos com o cimento recomendado pelo prefeito.
Se pretender inovar, vai ter que apresentar provas de eficácia e segurança, além de submeter os resultados à comunidade acadêmica.
Em medicina, quando vidas estão em jogo como aconteceu na epidemia de AIDS e agora na pandemia, o trâmite pode ser acelerado, mas deve respeitar o ordenamento das pesquisas envolvendo seres humanos. As mentes devem estar abertas tanto para o possível sucesso como para o insucesso. Se algo foi tentado sem êxito, lamenta-se e parte-se para outra, sem que partidários de um ou outro tratamento persistam nadando contra evidências, ignorando os resultados.
Como explicar à população se 34% dos médicos de um país não aceitarem as evidências contra ou a favor uma determinada prescrição? Pior se o número coincidir com o percentual que apoia um grupo político, induzindo a pensar tratar-se de uma decisão política e não científica.
É incrível ouvir representantes da classe médica dizendo que o tratamento de uma doença deve ser feito da forma que cada médico quiser, ao invés de promover fóruns para análise dos estudos, buscando a verdade da ciência.
Há décadas a medicina vem sendo praticada com base nas evidências obtidas a partir de estudos controlados, tornando possível o tratamento e prevenção de muitas doenças. As condutas são alinhadas, remédios inúteis são descartados, despesas fúteis poupadas, os consensos sobre o que realmente ajuda os pacientes são publicados e os médicos procuram inseri-los na prática clínica.
A medicina envolve uma boa dose de arte, mas não é dado ao médico o direito de agir como bem quiser, muito menos obedecendo recomendações políticas, dissociadas do melhor interesse dos pacientes.
Sérgio Gondim, médico
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC
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