Uma das razões para o alto índice de desemprego no Brasil - disse o Presidente Bolsonaro - é que parte da população não está preparada para "quase nada". O entendimento está correto quando se trata do universo dos excluídos, subalternizados e banalizados sociais. É esse grupo - desprovido de saber e que vive em situação de miséria, revolta, tensão e medo - que justifica a frase presidencial.
Por essa e outras razões, a educação brasileira foi sempre resvalando, deslizando, escorregando como se fosse água em corredeira. Os estudantes terminam o sexto ano praticamente analfabetos; muitos não concluem o ciclo básico e abandonam a escola sem o mínimo preparo profissional. Além disso, o processo de criatividade é podado desde os anos iniciais da escola. Enfim, 5 milhões e meio da população não têm acesso à educação e, no âmbito mundial, o Brasil ocupa a 73º posição na confraria dos demais países.
Curioso é que os dois últimos séculos foram identificados pela rejeição à metodologia da transmissão do conhecimento. A ideia parece perfeita se considerarmos que a experiência é intransferível e a memorização do tipo mecânico apenas consegue restringir a criatividade. Provavelmente essa é a linha seguida pelo Inep. Basta avaliar as questões formuladas nas provas do Enem. Contudo, é preciso que os estudantes, durante a realização das provas, repitam o estalo do padre Vieira - o orador magistral de "Os Sermões". O estalo permite a secundarização da memória e a priorização da inventividade. Mas outra questão se alevanta: - Como é que os alunos podem trabalhar a criatividade com um corpo docente mal pago e nem sempre bem aparelhado?
Estas considerações integram, hoje, a "banalização do mal". Nem mesmo o conhecimento da ação das máfias, responsáveis por todos os vitupérios humanos e produzidas pelos nossos governantes, consegue alterar tal realidade.
Está na hora, portanto, de pensar a metáfora do "El outro tigre" de Borges", focando a relação complexa entre o mundo da realidade e o do desejo. No primeiro, o tigre - com ossos, músculos, coloração em tons de marrom e laranja - ameaça direcionar recursos da educação básica para obras que agraciam os ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional. O segundo - universo do desejo e que deveria se harmonizar com o princípio do interesse público - é apenas um tigre de papel.
Dayse de Vasconcelos Mayer, professora universitária e advogada.
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC
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