Opinião

O dilema Estado x Mercado

"O modelo do laissez-faire (a autorregulação do mercado) não se sustenta em um contexto de instabilidade política e econômica, com potencial de provocar uma queda sustentável de popularidade do presidente". Leia o artigo de Priscila Lapa e Sandro Prado

PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO
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PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO
Publicado em 01/03/2021 às 7:10
MAURO PIMENTEL/AFP
A Petrobras indagou o governo federal sobre a existência ou não de estudos sobre possível venda de ações da companhia - FOTO: MAURO PIMENTEL/AFP
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Criada em 3 de outubro de 1953, no governo do presidente Getúlio Vargas, no auge da campanha "O petróleo é nosso!", a Petróleo Brasil S/A (Petrobras) está novamente na pauta do dia, inflamando discussões contemporâneas sobre o papel do Estado na economia e na sociedade brasileira. Após sucessivos e vultosos reajustes nos preços dos combustíveis e no gás de cozinha, o presidente da República, Jair Bolsonaro, decidiu intervir na Petrobras, solicitando a substituição do presidente da estatal Roberto Castello Branco, indicado por ele no começo do seu mandato, pelo general Joaquim Silva e Luna.

Os reajustes acumulados nas refinarias nos preços da gasolina (34,78%) e do óleo diesel (27,7%), em 2021, diante de uma inflação oficial de 0,25% (IPCA) em janeiro, foi o estopim para a decisão de Bolsonaro, escancarando a gravidade e a complexidade do problema.

A ex-presidente Dilma Rousseff foi alvo de inúmeras críticas por praticar medidas intervencionistas que restringiam o reajuste de preços na Petrobras. Com a mudança de governo, a sociedade brasileira viu essa política ser substituída na gestão Michel Temer, durante o mandato de Pedro Parente à frente da estatal. Desde então, os preços são definidos com base no mercado, em que variáveis como a cotação do real diante do dólar e do barril de petróleo no mercado internacional são decisivos para o que é praticado pela Petrobras no mercado interno.

A intervenção na corporação pelo presidente Bolsonaro provocou arrepios nos agentes de mercado e levou à queda expressiva das ações da estatal na B3-Bovespa, além de fazer o dólar disparar no curto prazo. Por outro lado, a população se dividiu (pra variar!) quanto à medida adotada, como mostra a pesquisa XP/Ipespe, realizada nos dias 22 e 23 de fevereiro. 40% dos entrevistados acreditam que o presidente agiu errado substituindo o comando da estatal; 38% aprovaram a medida. 25% julgam que o Executivo não deve interferir nos preços dos combustíveis. Já 41% defendem que alguma interferência deva existir (como limitar os aumentos de preços em intervalos menores do que três meses), ainda que o mercado tenha liberdade para defini-los.

O fato é que o episódio da Petrobras espantou os sonhos de implantar no Brasil, no atual mandato, uma agenda estritamente liberal. O modelo do Laissez-faire (a autorregulação do mercado) não se sustenta em um contexto de instabilidade política e econômica, com potencial de provocar uma queda sustentável de popularidade do presidente. Na hora do sufoco, vale clamar pela mão forte do Estado.

Priscila Lapa é cientista política. Sandro Prado é economista

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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