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Um ano de pandemia no Brasil: o sentimento é de indignação

"Causa indignação continuar a ver o Presidente da República em sua cruzada negacionista, falando em Estado de Sítio e ajuizando ação no STF para desmoralizar as ações dos governadores que enfrentam a ferocidade da pandemia". Leia a opinião de Tadeu Alencar

Tadeu Alencar
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Tadeu Alencar
Publicado em 26/03/2021 às 6:04
ISAC NÓBREGA/PR
BOLSONARO Ao aumentar a faixa de isenção, o presidente fará um gesto político para a baixa renda - FOTO: ISAC NÓBREGA/PR
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Uma das poucas coisas boas que a pandemia nos trouxe foi o tempo abundante de leitura, que só o desfrutei em priscas eras, quando lia com sofreguidão, acendendo um livro no outro, feito o fumante inveterado. Li livros maravilhosos, afundado em minha rede na beira mata, em Aldeia, onde a cada março as cigarras zunem suicidas. As mortes já se acumulavam na Europa, mas no Brasil mal começavam, enquanto os prognósticos soavam alvissareiros entre os fanáticos do Capitão. Bastaria ser macho, viril, atleta, destemido, patriota e afeito a curandeirismos, que a gripezinha, fugaz, passaria. Mas os nossos dias de terror não tardariam. O aprendizado do isolamento deu os seus frutos: preparar o alimento de cada dia, plantar o trigo e assar o pão e regar as flores, que o canteiro de uma vida tem sempre pétalas derramadas pelo chão. E fui escrevendo sobre essa caverna moderna, de velhos morcegos.

Um amigo reagiu à escrita sem 'engajamento': a humanidade se debatendo nas chamas devastadoras do vírus era, a seu juízo, indecoroso, o cacoete de se reportar às dimensões do cotidiano inusitado: consertar a cerca, pintar o portão, podar as árvores, ver a tarde cair sob o aroma das infusões inebriantes. Crítica injusta, creio eu, pois todo homem há de ter o seu refrigério, onde recarrega as suas armas e aquece a lenha do seu ideal. Passado o tempo, vejo-me refletindo sobre a doce fúria do amigo.

Corte para o Brasil de um ano de crise sanitária: 300 mil mortos, 14 milhões de desempregados, 700 mil empresas que faliram, exaustão da rede pública e privada de saúde, o País como centro da pandemia no mundo. Causa indignação continuar a ver o Presidente da República em sua cruzada negacionista, falando em Estado de Sítio e ajuizando ação no STF para desmoralizar as ações dos governadores que enfrentam a ferocidade da pandemia. Passa do limite. Até de um jovem escoteiro se cobra responsabilidade, compostura, as botas reluzentes, o lenço no pescoço em perfeita ordem.

Tenho que dar a mão à palmatória: não dá mesmo para ficar falando em mirtilo vermelho, em chás em que se homenageia o sol que se põe. O sentimento é de indignação, ver a principal autoridade da República apostar no caos e com ele se comprazer.

É hora de juntar a inteligência brasileira, as igrejas, os sindicatos, as associações de classe, o setor produtivo, os artistas, a imprensa, os políticos, os verdadeiros patriotas, todos os que têm amor pelo Brasil e fazer uma aliança ampla para conter essa tragédia, ou, ao menos, para impedir que ela possa voltar a acontecer.

Tadeu Alencar, deputado federal, vice-líder da Oposição

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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