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A educação brasileira na encruzilhada

"A biruta da educação está nos avisando que as condições de vento não são nada favoráveis". Leia a opinião de Mozart Neves Ramos

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MOZART NEVES RAMOS

Publicado em 05/04/2021 às 6:05
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Tenho já comentado sobre a falta de coordenação nacional, por parte do Ministério da Educação (MEC), no campo das políticas públicas da educação, como prevê o Artigo 8° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Mas, se fosse exercê-la, certamente o MEC teria de romper com as questões ideológicas propagadas pelo atual governo, que se sobrepõem às de maior relevância para a educação pública deste país. Enquanto o governo tem como prioridade o homeschooling, por exemplo, que talvez consiga alcançar 7 mil famílias em todo o país, a prioridade social deveria ser um plano nacional de conectividade escolar para milhões de crianças que ficaram sem estudar em 2020 e vão continuar assim ainda em 2021. Essa oportunidade de estudar foi perdida em função do veto presidencial ao Projeto de Lei no 3.477/2020.

Ainda no campo ideológico, a preocupação do governo também se concentra no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Como disse a jornalista Renata Cafardo em sua coluna no Estadão de 21/03/2021, ao nomear para a coordenação dos materiais didáticos a professora Sandra Ramos, ligada ao movimento Escola Sem Partido, a ideia é dar uma "perspectiva conservadora cristã" à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o mais importante documento publicado nos últimos anos para nortear o que deve ser ensinado nas escolas e no qual as editoras de livros se baseiam; ela ainda defende que se tire toda a menção às culturas africanas e indígenas da Base.

Também se encontram em marcha mudanças preocupantes no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Claudia Costin, em seu artigo publicado na Folha de S.Paulo de 26/03/2021, intitulado "A muralha da China e as instituições, desconstruindo o Inep", chama a atenção do país para o eventual desmonte que pode estar acontecendo na área da avaliação tão bem executada, ao longo de décadas, pelo Inep. Diz ela: "Busca-se agora desconstruir o instituto que nos permite, ao fornecer dados de aprendizagem e de infraestrutura escolar, atuar com base em dados em educação".

Ainda no campo da avaliação, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, pretende não realizar os exames do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em 2021, por conta da pandemia, cujos resultados são usados para aferir o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em parte ele tem razão: este não é o ano para medir o Ideb, mas não se pode deixar de fazer o Saeb. A realização amostral do Saeb, como defende a Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), deveria ser o caminho. A proposta da Abave é fazer um Saeb amostral no final do ano para termos um diagnóstico mais preciso do impacto da pandemia na aprendizagem escolar. Os resultados seriam por Unidade da Federação e redes de ensino, de acordo com o Saeb tradicional, com devolutiva em fevereiro de 2022 para orientar políticas de enfrentamento das desigualdades.

A biruta da educação está nos avisando que as condições de vento não são nada favoráveis.

Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP - Ribeirão Preto — e professor emérito da UFPE

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