ARTIGO

É preciso criar um projeto de país socialmente justo

"Tirar Bolsonaro do poder, pelo impeachment, por qualquer mecanismo constitucional, ou pela via eleitoral, é mandatório para sobrevivência da democracia e para salvar vidas. Mas criar um projeto de país socialmente justo o é ainda mais". Leia a opinião de João Humberto Martorelli

JOÃO HUMBERTO MARTORELLI
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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI
Publicado em 08/04/2021 às 6:08
ANTONIO AUGUSTO/ASCOM/TSE
"Em 2022 teremos importantes escolhas" - FOTO: ANTONIO AUGUSTO/ASCOM/TSE
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Reflexões que nada custam. Em 2018, ano das eleições, 1% dos ricos brasileiros ganhavam 33,8 vezes mais do que os 50% mais pobres, 10% concentravam 43,1% da massa de rendimentos. Havia, e há, clara indiferença com a pobreza. E a discriminação e o preconceito degradavam e degradam ainda a comunidade negra, os quilombolas, os indígenas. Nos últimos anos, o país foi governado sob o jugo da tecnocracia e da lógica de mercado, sem a menor sensibilidade política e social. À exceção do primeiro mandato de Lula, durante o qual houve o notável programa de transferência de renda com o Bolsa-Família, depois notabilizado também por sua parca e ineficiente estruturação, pouco se deu importância aos mais pobres. Ao contrário, o próprio Lula somente se elegera depois da famosa Carta aos Brasileiros, em que fez acenos ao mercado, que continuou a reverenciar durante seus dois mandatos. Foi sempre assim: a liquidez, a força da moeda, o câmbio, a responsabilidade fiscal, a bolsa são os indicadores da economia (e devem ser), mas, a todos os líderes, de Presidente a Ministros, sobrou entusiasmo com a globalização e o mercado, e faltou sensibilidade social, donde a importante massa de excluídos que se abraçou ao mito. Ajunte-se a isso o desmantelado governo de Dilma e a corrupção, em cujo curso abandonamos por completo a proteção social para cuidarmos unicamente dos problemas políticos, e temos aí o caldo necessário e suficiente para qualquer governo populista.

No Brasil, a possibilidade de ascender da pobreza para a riqueza - com a adoção do princípio capitalista do mérito e da panaceia da educação, como se ela fosse resolver todas as diferenças, criando oportunidades iguais - é quase nula, somente se dão bem aqueles que nascem em berço rico ou de classe média alta, quase nunca esplêndido. Não adianta pensarmos na democracia apenas como sistema de governo que consagra a igualdade fictícia: quando golpeamos os proventos da aposentadoria, por exemplo, convencemos os desfavorecidos pelo novo plano de previdência de que temos igualdade porque a redução foi objeto de lei, democraticamente votada no parlamento, quando essa decisão deteriora a vida dos aposentados? A verdade é que as elites governantes, assustadas agora com o populismo, fenômeno que não é privilégio do Brasil, estão vendo no espelho a própria obra. E não aprendem.

No Manifesto pela Consciência Democrática de seis supostos presidenciáveis, não se vê uma linha sobre a reinserção dos que foram excluídos, fala-se vagamente em solidariedade; o manifesto da Faria Lima, na pandemia, recessão e bilhões, e apenas um item em assistência e responsabilidade social. Tirar Bolsonaro do poder, pelo impeachment, por qualquer mecanismo constitucional, ou pela via eleitoral, é mandatório para sobrevivência da democracia e para salvar vidas. Mas criar um projeto de país socialmente justo o é ainda mais.

João Humberto Martorelli, advogado

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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