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Saudade é memória que não vai embora

"No abril que se anuncia, especialmente no seu dia 23, é por esse olhar que recordo meu avô Antônio, que se foi do plano terreno no longínquo, mas ainda assim próximo, ano de 1991". Leia a opinião de Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

Publicado em 13/04/2021 às 6:03
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Numa das mais célebres páginas da nossa MPB, imortalizada por Nelson Gonçalves ("Naquela mesa"), a estrofe remete a um lamento de saudade, repetido à exaustão, já que saudade é memória que não vai embora.

No abril que se anuncia, especialmente no seu dia 23, é por esse olhar que recordo meu avô Antônio, que se foi do plano terreno no longínquo, mas ainda assim próximo, ano de 1991. Antoninho para a família.

São trinta primaveras inebriadas da lembrança do jurista completo que ele foi, inicialmente na Advocacia, depois, mais no final, na Magistratura. Toda uma vida a serviço do compromisso com o combate ao punitivismo autoritarista, simulacro de devido processo legal.

Na defesa de réus criminais, incluídos não raro no espectro do Tribunal do Júri, nunca se doou à sua missão pela metade. Orador vibrante, transformava-se de sua habitual discrição quando vestia a beca. Mesma coisa na sala de aula. Em seu velório no TJPE, já que faleceu no cargo de Desembargador (egresso da Advocacia), havia uma multidão de ex-alunos, todos tão desolados quanto os próprios entes queridos. Nunca esqueci aquela cena.

Numa quadra de tantos perigos à saúde do Estado de Direito, em que há quem sustente o fechamento de instituições republicanas e em que isso é naturalizado por alguns como sendo liberdade de expressão, não é raro eu me flagrar a pensar no que meu avô faria. Na ditadura, chegou a ser preso no exercício da Advocacia. Nunca, porém, se se acovardou. Não o faria hoje, seguramente. Foi exemplo até o fim.

A memória de sua ausência se convola em presença na resistência a tudo o que nega o conjunto da sua obra libertária. E é assim como escolho recordá-lo. Disse Albert Schweitzer: "Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única". Sua benção, meu avô.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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