ARTIGO

Um certo Pablo, poeta

"Numa destas incursões labirínticas e intermináveis que fiz pela internet - quando não tenho nada a fazer- descobri um poeta de nome curioso, filho de pai peruano e mãe brasileira, mas nascido e morador de Brasília". Leia o texto de Flávio Brayner

Imagem do autor
Cadastrado por

FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 13/04/2021 às 6:07
Notícia
X

Numa destas incursões labirínticas e intermináveis que fiz pela internet - quando não tenho nada a fazer- descobri um poeta de nome curioso, filho de pai peruano e mãe brasileira, mas nascido e morador de Brasília (local que ele esconde de sua jovem biografia!) e que se chama, creiam em mim... Pablo Porras y Porras! Não sei se se trata de um pseudônimo ou de nome de pia, mas ele se define como "poeta da vida política nacional". E, de fato, seus poemas marcados por uma graça acidamente irônica e desencantada com nossos descaminhos políticos, remetem a uma tradição de resistência política que podemos repertoriar desde a terceira geração dos românticos até aos nossos Ferreira Goulart ou Thiago de Melo, uma tradição revestida de criatividade lírica e revolta política e moral, e ajuntando ironia corrosivo, lucidez analítica e, às vezes, melancólica desesperança. Ouçam, por exemplo, esta pérola ironizando nosso ex-juiz Sérgio Moro que acaba de cometer mais uma gafe em função de seu conhecido despreparo intelectual:

"Ensinando, ele aprimora o idioma de 'Floubé', de 'Pru', de 'Boudelé'.

E de 'Piá' se enamora.

Piando, não se arrepende.

'Non', eu de 'rian' me arrependo.

Como diz Dona 'Piá': 'piando a gente se entende!'".

Alfredo Bosi, que acaba de nos deixar aos 84 anos (as perdas culturais que esta pandemia está nos infligindo, só serão avaliadas quando a Coruja de Minerva hegeliana alçar vôo, quando aquela "noite" chegar!) teimava em encontrar um caminho entre literatura e sociedade, cultura e dominação que não se reduzisse aos determinismos sociológicos a que o marxismo nos acostumara, nem aos solipsismos subjetivistas que certa tradição vinda do individualismo romântico impunha: em sua assumida filiação croceana (Benedeto Croce, 1866-1952), Bosi achava que o poeta vinha antes de seu vínculo ao "estilo de época" (embora dele não pudesse se desligar) e via na literatura um amplo repositório de resistência política capaz de, pela linguagem, descentrar nossa visão do mundo, sem o que, nenhuma crítica seria possível. Nosso Pablo Porras y Porras filia-se a esta linhagem e traz na sua poesia o humor e a leveza que contrabalançam estes tempos sombrios, sem deixar de anunciar, com ironia, a aproximação daquela "noite" da consciência tardia em que a Coruja de Hegel alçará vôo.

Mas, é tudo brincadeira, caro leitor: Pablo Porras y Porras é cria da inesgotável imaginação de meu querido amigo e acadêmico Paulo Gustavo: um alter ego que ele inventou para suportar uma época doentia.

Flávio Brayner, professor da UFPE

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

Tags

Autor