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A Constituição e a CPI na pandemia

A Constituição regula todas as condutas. Estipula o que devemos, não devemos ou podemos fazer. Ação e omissão. Regula, portanto, no caso em questão, a omissão do presidente do Senado

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Joaquim Falcão, Celso Lafer, Tercio Sampaio Ferraz Jr

Publicado em 13/04/2021 às 17:14 | Atualizado em 14/04/2021 às 0:47
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Os senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru acionaram o Supremo sobre uma conduta

omissiva do presidente do Senado em instalar CPI regularmente proposta. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do feito, constatou o preenchimento dos três requisitos da Constituição para a instalação da CPI: assinaturas suficientes de senadores, objeto determinado e relevante — o combate à pandemia — e prazo certo. A Constituição regula todas as condutas. Estipula o que devemos, não devemos ou podemos
fazer. Ação e omissão. Regula, portanto, no caso em questão, a omissão do presidente do
Senado.

A decisão do ministro Barroso é estrita aplicação de uma norma constitucional. Regra destituída
de ativismo judicial e de sua margem de apreciação. É coerente com entendimentos do
Supremo. Consagra o mecanismo de fiscalização e controle da ação do Executivo que está ao
alcance da oposição. É parte das regras da democracia, como ensina Bobbio.

A partir do comando constitucional, nem o ministro Barroso, nem o próprio plenário do
Supremo, ou mesmo os presidentes da Câmara e do Congresso, nem também o presidente da
República podem ser omissos. Têm que obedecer. Podem até discordar como pessoas físicas.
Mas não podem usar os cargos que detêm para ser contra ou obstar esse comando. Inclusive por
negociações, pressões, aliciamentos à luz das noites.

Do lado do presidente do Senado, é preciso afastar a justificativa de que a obediência ao artigo
58, §3º, da Constituição admite o juízo da conveniência ou oportunidade da CPI. Não admite.
Argumentar que, em tempo de pandemias, não se podem abrir CPIs porque não é conveniente
ou oportuno cria, no mínimo, um argumento circular: em tempo de pandemia não se podem
investigar pandemias! Além de sofisma, estaria sendo esvaziada a garantia constitucional das
minorias.

A ordem judicial de instalar a CPI, uma vez concedida, tem que ser cumprida de boa-fé pelos
três Poderes, nos limites do objeto e prazo determinados. Ela também encerra o prazo
constitucional para senadores voluntariamente retirarem suas assinaturas. O que está feito não
pode ser desfeito. Se o senador tivesse retirado sua assinatura antes da ordem judicial, estaria
ainda no seu período de discricionariedade. Agora não mais.

Mas, se o fizer, estará, no mínimo, tentando burlar a ordem. Dificultando a implementação da
Justiça. Impedir o funcionamento regular da CPI, neste momento, é impedir a implementação
regular da Constituição.

A CPI só poderá ser encerrada ou suspensa com obediência aos procedimentos jurídicos que a
regem. Mesmo a suspensão não pode correr risco de ser um simulacro. Tem que ser votada
pelos membros da Comissão, bem fundamentada e por prazo determinado. Não pode ser um
ato arbitrário ou simples reação instantânea.

Já os comentários do presidente da República, amplificados pelos seus acólitos, com sua reação
ad hominem, voltada para a pessoa do ministro Barroso, e não para os fundamentos da decisão,
são graves. Ameaçou inclusive com impeachment de ministros do Supremo.

Essa grave ameaça passa a ter um efeito reverso. A Constituição capitula como crime de
responsabilidade os atos do presidente da República que atentam ao livre exercício do Poder
Judiciário e ao cumprimento das leis e decisões judiciais. É crime o uso de violência ou ameaça,
para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto. Ou
seja, não é necessário executar a ameaça. Basta ameaçar.Proíbe também o presidente da República de proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. A tripartição dos Poderes não é terreno de disputas entre vizinhos
mal-humorados.

Antônio Houaiss define decoro como o acatamento das normas morais, seriedade de maneira,
compostura. Pertinente aqui um sempre alerta do decano, o ministro Marco Aurélio. Há um
preço módico para vivermos em um estado democrático de direito: o respeito irrestrito às regras
em vigor.


Celso Lafer é professor emérito da Faculdade de Direito da USP/SP

Joaquim Falcão é jurista e membro da Academia de Brasileira de Letras

Tercio Sampaio Ferraz Jr é professor emérito da Faculdade de Direito da USP/Ribeirão Preto

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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