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A Constituição e a Bíblia

"Discussão na última sessão plenária da Alta Corte para julgar a decisão de governos estaduais e municipais de suspensão provisória de cultos religiosos foi marcada por pronunciamentos baseados na Bíblia"

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SÉRGIO C. BUARQUE

Publicado em 14/04/2021 às 6:10
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O Supremo Tribunal Federal (STF) é uma instância responsável pela guarda da Constituição, cabendo aos seus ministros analisar os processos e fundamentar seu voto com base nos preceitos constitucionais. No entanto, a discussão na última sessão plenária da Alta Corte para julgar a decisão de governos estaduais e municipais de suspensão provisória de cultos religiosos foi marcada por pronunciamentos baseados na Bíblia, particularmente dos juristas nomeados pelo Presidente da República.

O ministro chefe da Advocacia Geral da União, André Mendonça, citou várias vezes a Bíblia e praticamente ignorou a Constituição, e o Procurador Geral da República, Augusto Aras, depois da referência ao direito do "livre exercício dos cultos religiosos" previsto na Constituição, concluiu com uma argumentação religiosa: "A ciência salva vidas; a fé também".

A Bíblia é um documento doutrinário que orienta a vida dos cristãos, mas é a Constituição e o conjunto do sistema legal que definem as regras de comportamento e de convivência na sociedade. Mesmo considerando que a esmagadora maioria da população brasileira é cristã, a Bíblia não serve como parâmetro para a vida em sociedade, mesmo porque, o Brasil ainda tem quase 34 milhões de brasileiros que seguem outras crenças, ou não têm religião.

O Brasil é um Estado laico precisamente porque respeita todas as manifestações religiosas. Por isso, o voto e a fundamentação dos ministros do STF, como de todas as instâncias do Judiciário, devem ser orientados pela Constituição, independente da orientação religiosa de cada um dos ministros do STF, que devem ficar restritas às suas respectivas vidas privadas.

A estratégia do Presidente Bolsonaro de nomeação de pessoas "terrivelmente evangélicas" para posições de destaque no sistema judiciário, incluindo o STF, reflete a sua pretensão teocrática de subjugar a Constituição aos preceitos da Bíblia. A Constituição assegura o direito de todos os brasileiros professarem livremente a sua religião, mas também autoriza os governantes a regularem as manifestações públicas dos brasileiros quando se trata da preservação da vida.

Por mais importante que sejam as celebrações coletivas (missas e cultos), as manifestações religiosas devem se submeter às condições gerais da vida e da saúde pública, aceitar o confinamento social como uma demonstração humanista para enfrentar momento dramático que vive o Brasil.

Sérgio C. Buarque, economista

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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