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O que o Vietnã pode nos ensinar

Hoje o Vietnã é um dos países cujo desempenho educacional mais chama a atenção no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)

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MOZART NEVES RAMOS

Publicado em 19/04/2021 às 6:04
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O Vietnã passou quase toda a segunda metade do século XX envolvido em guerras ou em alguma forma de conflito, e até 50 anos atrás era uma nação pobre, agrária e analfabeta. Hoje é um dos países cujo desempenho educacional mais chama a atenção no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).

A reconstrução do país passou pela educação, e os resultados vieram: o Vietnã aparece em 8º lugar em ciências, à frente da Alemanha, do Reino Unido e dos Estados Unidos. Em matemática, os vietnamitas estão em 17º lugar. O Brasil, nas duas disciplinas, ficou na 58ª posição! A pergunta que surge naturalmente é como um país com um PIB per capita de US$ 2.400, quase três vezes menor que o do Brasil, pode desbancar nações com renda e níveis de desenvolvimento muito superiores?

O Vietnã vem investindo maciçamente em educação, com foco na ampliação da jornada integral na rede pública de ensino, na definição de padrões de qualidade para as escolas públicas, no fortalecimento da cultura de avaliação, na exigência de melhor desempenho docente, e, finalmente, atrelou o aumento de salário a mais qualificação e resultados.

Além de incrementar a educação, o país fez reformas políticas e sociais que resultaram positivamente na economia. Como resultado dessas reformas, o Vietnã cresce a uma média de 7,2% e ostenta uma expectativa de vida de 76 anos. De sua população total, 92% têm acesso a eletricidade, e 80% a água potável. A pobreza caiu drasticamente, saindo de mais de 50% para 15% da população em apenas 20 anos.

Uma segunda pergunta que não poderíamos deixar de fazer é sobre o efeito da pandemia na economia e na educação vietnamitas. David Hutt, em artigo publicado no Asia Times (tradução de Artur Araújo), mostrou que o Vietnã será uma das poucas nações do mundo a registrar crescimento econômico em 2020, apesar do colapso global no comércio, em viagens e em investimentos causado pela pandemia de covid-19. As autoridades responderam com rapidez e eficiência quando uma segunda onda estourou na cidade costeira de Da Nang no final de julho, após um relaxamento das rígidas restrições impostas em fevereiro. Bem diferente do que foi feito no Brasil.

Em 2020 as escolas vietnamitas ficaram fechadas por menos de 90 dias, um tempo relativamente curto, fruto de coordenação nacional, enquanto nas escolas brasileiras foram quase 300 dias. É bom lembrar que, apesar da área de apenas 312.212 km2, a população do Vietnã é de 96,46 milhões de habitantes.

Na economia, o país está, como costumamos dizer, em voo de cruzeiro; na educação, ainda tem desafios, especialmente quanto ao acesso à escola. O importante é que depois de sobreviver a tantas guerras e conflitos, o país está fazendo seu dever de casa, apesar da pandemia mundial. O Brasil precisa fazer o seu, mas prefere focar o que não importa, como priorizar no Congresso nacional o homeschooling, em vez de prover o acesso ao ensino por meio de internet e banda larga aos seus estudantes e professores da educação básica.

Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP - Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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