ARTIGO

A desescolarização: "no futur" ao "no past"

"A desescolarização é a batalha decisiva para estabelecer a hegemonia de um tipo de futuro, e para fazer isto, é preciso nos impedir de ter um passado. Não se trata mais do 'NO FUTUR', mas do 'NO PAST'"Leia a opinião de Flávio Brayner

Imagem do autor
Cadastrado por

FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 27/04/2021 às 6:14
Notícia
X

O professor François-Xavier Bellamy em seu mais recente livro - "Les desherités" - ("Os deserdados". Sem tradução) defende com obstinação pedagógica a ideia de "transmissão" que os educadores vindos da tradição escolanovista (aquela tradição centrada no aluno, seus interesses, sua competência cognitiva, sua "realidade"...) abandonaram, desistindo de "transmitir" a cultura e abrindo mão do que Arendt chamou de "responsabilidade do mundo". Eles são a primeira geração que abdicou do "dever de transmitir", mas esta "abdicação" tem antecedentes filosóficos: Descartes (e sua dúvida hiperbólica, suspeitando de toda a educação que recebera), Rousseau (centrando num Emilio afastado do social, a iniciativa da aprendizagem - embora manipulado por seu "Governador"!) e mais recentemente, Pierre Bourdieu, que viu nos conteúdos escolares a reprodução dos valores dominantes e praticando um tipo especial de violência, a "simbólica"!

Estava armado o cenário para a demonização da "transmissão" que, aliás, também encontrou em Paulo Freire um adepto, na sua ideia de "educação bancária" ( só bem mais tarde, aliás, Freire interveio em seu "Pedagogia da Esperança" para desfazer o mal entendido que confunde "transmissão" com "depósito"!). Não bastasse a nossa demissão pedagógica em transmitir, somos também a primeira geração que está vislumbrando a ideia de não escolarizar (e isto não tem nada a ver com a "Sociedade sem escolas" de Ivan Illitch). E, claro, nada como uma pandemia para facilitar a execução do projeto: as iniciativas em prol da homeschoolling, a fé nas tecnologias de aprendizagem, a escola vista como um lugar ultrapassado e desagradável, o professor como um depositário de um saber sem utilidade prática, a empresa como o verdadeiro lugar de aprendizagem a partir de "problemas concretos", a "sala de aula invertida"... Haverá, em breve, uma geração que não conheceu nem frequentou a escola como uma instituição específica, e tudo isto em nome de um FUTURO que, na cabeça dos leitores de sinais emitidos pelo mercado (as Ptonisas da mundialização!), não precisará mais da escola.

A "transmissão" foi a base do republicanismo escolar e que permitiu que cada um de seus egressos tivessem um PASSADO cultural comum no interior do qual pudessem forjar uma identidade subjetiva. A desescolarização é a batalha decisiva para estabelecer a hegemonia de um tipo de futuro, e para fazer isto, é preciso nos impedir de ter um passado. Não se trata mais do "NO FUTUR", mas do "NO PAST"!

Flávio Brayner, professor Titular da UFPE

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

Tags

Autor