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Mortes por covid-19: estamos vivendo um luto coletivo

"Quase todo mundo conhecia alguém que faleceu por causa da Covid-19 e quase toda família perdeu ao menos um membro pela doença. É muita dor, de norte a sul. A perda de uma pessoa querida talvez seja o maior sofrimento do ser humano". Leia o artigo de Sérgio Gondim

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 30/04/2021 às 6:02
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Quase todo mundo conhecia alguém que faleceu por causa da Covid-19 e quase toda família perdeu ao menos um membro pela doença. É muita dor, de norte a sul. A perda de uma pessoa querida talvez seja o maior sofrimento do ser humano. Não tem tamanho, termômetro ou escala. A dor está disseminada e agravada pelo noticiário que expõe as mortes continuamente. Mostra o sofrimento do filho que acabou de perder o pai, da mãe que viu a filha morrer, o apelo pela vaga na UTI que só chega quando não há mais tempo. Aproxima de todos o pedido de socorro ofegante. Persevera mostrando o caos na gestão da pandemia, a incrível falta de consciência, solidariedade e empatia. Repete as atitudes inconsequentes que resultam na morte de outras pessoas, dia após dia, como um filme de terror sem fim, como uma escuridão sem luz no fim do túnel, como se fosse o final dos tempos.

O maior luto coletivo que vi no Brasil foi o que ocorreu depois da morte de Ayrton Sena. O país ficou triste de repente, desanimou, chorou, mesmo sem ter qualquer parentesco. Ayrton era "do Brasil" e o seu acidente em alta velocidade provocou soluços generalizados, mas não ameaçou a vida de ninguém. Ninguém esperava a repetição da tragédia, nem ser a próxima vítima na pista de Fórmula 1.

Na pandemia, os que contraíram e os que não foram infectados, sofrem crises de angústia, ansiedade, pânico e depressão. Além das perdas, sentem-se constantemente ameaçados, temendo a contaminação ou a perda de outra pessoa querida. Dormem mal, acordam com falta de ar no meio da noite e sonham com anticorpos. Saem da cama de madrugada, vagando até o aplicativo do celular, pela primeira vez depois de adultos querendo ter mais idade, para agendar a vacinação. O perigo constante, a incerteza perene e o temor de que o amanhã venha a ser ainda pior, conferem a sensação de que a derrota é iminente.

É importante manter-se informado, mas não é recomendável assistir certos programas de televisão e participar do luto de cada um. É humanamente insuportável.

O sofrimento coletivo, adquirido na solidão da quarentena, com as orquestras silenciadas, sem direito a um abraço sequer, clama por respeito às recomendações das autoridades em saúde. Espera por ações coordenadas, atentas à evolução do conhecimento, sem a ridícula partidarização, sem discursos ou comportamentos criminosos, pois já basta o vírus!

Sérgio Gondim, médico

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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