ARTIGO

A vida foi boa

Nesses tempos de pandemia, que depoimento de Luís Roberto Barroso seja visto com atenção

Imagem do autor
Cadastrado por

JC

Publicado em 30/04/2021 às 6:13
Notícia
X

Luís recebeu, do médico, a péssima notícia. Tinha câncer. Com nome complicado, Adenocarcinoma do Esôfago, grau III. Traduzindo, lhe restava um ano de vida. Menos, talvez. E não havia muito a fazer, além dos procedimentos de praxe: quimioterapia, hemoterapia, fisioterapia, acupuntura, terapia. Tudo para viver aqueles meses derradeiros com menos dores. E em paz. Tentou curas alternativas. Recebeu médiuns, levados por amigos. Há momentos na vida em que, mesmo confiando na ciência, o paciente não pode se dar ao luxo de recusar nada. Fosse pouco, lhe mandaram livros de muitas religiões, e leu todos. É compreensível. A hora derradeira leva o sofredor para mais perto de Deus. Ou algo assim. Passou a meditar. E se sentia bem, verdade seja dita. Prático, organizou também o futuro da família. E preparou-se para morrer com tristezas poucas, das quais maior era saber que não veria os filhos andarem com suas próprias pernas. Quando o procuravam, nos últimos tempos, repetia sempre a mesma frase, "A vida foi muito boa e sou grato".

Até que, depois de mais exames, surpresa: "A doença sumiu", disse o médico. Não se sabe como. No início, não acreditou Só que os anos foram passando e ele continuava bem. A tentação de usar lugares comuns, em situações assim, é grande. Como a ideia recorrente de que, depois de ver a morte perto, nossa trajetória toma outro sentido. Melhor. Mais amplo. Em palavras suas, "Minha vida ganhou um sabor diferente, uma leveza extrema. Passei a dar atenção somente ao que tinha verdadeira importância, com muito menos peso para o ego e seu pequeno cortejo de vaidades". Nesses tempos de pandemia, que seu depoimento seja visto com atenção. Na certeza de que, palavras de Pessoa (Reis, Odes, 17/7/1921), "não consentem os deuses mais que a vida".

P.S. Essa pequena história, diferente do que possa pensar o amigo leitor, é real. O personagem, Luís, é o Ministro do Supremo Luís Roberto Barroso. O mesmo que hoje nos honra, na luta contra uma corrupção que tem defensores ensandecidos no próprio Supremo. E sua trajetória está em livro, que recomendo, Sem Data Vênia (Ed. História Real, págs. 39/40). Um depoimento, data vênia, que faz lembrar Violeta Parra. No último disco que gravou antes de se matar, em fevereiro de 1967, Gracias a la vida que me ha dado tanto, la risa y el llanto. O riso e o pranto. Isso.

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

Tags

Autor