A resistência do riso de Paulo Gustavo e o luto para velar a insensatez e a omissão
Num momento histórico em que a arte faz tremenda falta, podemos sentir todo o impacto do vácuo dessa comunhão entre o amor e o fazer artístico
Rir é superar o medo, a tristeza e a dor, como se o tempo ruim abrisse um portal súbito para o tempo bom. O riso lava a alma, enxuga as lágrimas e restaura a vista para um horizonte que parecia desaparecido. Rir é resistir, como falava Paulo Gustavo. Mas não resistir acuado, imobilizado, sem paixão. A resistência bem-humorada vem carregada de energia vital, e não espera a ameaça ir embora por si só. O que o riso traduz e pode suscitar é o ímpeto da alegria pela vida, que mobiliza o pensamento e o corpo para seguir adiante, construindo por causa e através do sorriso, conquistando espaços compartilhados com amor.
A morte de Paulo Gustavo pela peste de Covid-19 é um choque de realidade, num país em que muitos debocham da pandemia. E não apenas em Brasília, onde a pândega desdenhosa ao coronavírus está sendo contida à custa de centenas de milhares de cadáveres. Vítimas cada vez mais jovens, como o ator de 42 anos. Para resistir à pandemia, precisamos parar de rir dela - principalmente precisam parar de rir, escancarada ou veladamente, os líderes que têm a responsabilidade de informar, orientar e conduzir a população para alternativas seguras de travessia, enquanto a vacina se espalha. O luto no riso serve, agora, para velar o artista popular. Poderia servir para velar junto a insensatez e a omissão da maioria dos governantes de um entristecido país.
Espera-se mais dos políticos, representantes do povo como artistas da retórica, do que a sisudez burocrática e a pantomima calculada e sem graça de uma CPI. Enquanto arte do possível, a política deve promover a conexão entre o sofrimento e a esperança. No Brasil, o que mais se vê na política, há décadas, são gargalhadas que fazem do poder uma piada de mau gosto. Ou o poder é exercício de afetividade e empatia, ou se torna autolimitado, e não é nada.
Amar é arte, também disse Paulo Gustavo. Num momento histórico em que a arte faz tremenda falta, podemos sentir todo o impacto do vácuo dessa comunhão entre o amor e o fazer artístico. Porque se amar é arte, arte é uma expressão de amor. Muito além da voz, da palavra, dos tons, dos traços e dos gestos de um artista, arte é partilha. Que saudade dos palcos acesos brilhando com a luz imensa dos olhares da plateia! O vazio cultural na pandemia é uma terra arrasada dentro de nós.
Feito silêncio após salva de palmas por uma vida para a alegria.
Fábio Lucas é jornalista, editor do Livronews.