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A revolução e ingenuidade que caminharam juntas com o Patrono da Leitura Pernambucana

Sempre que se fala de ''Tarcísio da Livro 7'' eu não posso evitar as lembranças de um tempo em que, apesar da repressão e do medo, éramos muito felizes

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 11/05/2021 às 6:00
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Por iniciativa da deputada estadual Tereza Leitão (PT), foi aprovado pelo governador Paulo Câmara a Lei que torna Tarcísio Pereira (o "Tarcísio da Livro 7") o "Patrono da Leitura Pernambucana". Sempre que se fala de Tarcísio eu não posso evitar as lembranças de um tempo em que, apesar da repressão e do medo, éramos muito felizes e tínhamos força para transformar as sombras que nos ameaçavam em pequenas frestas de esperança política. Já disse, aqui mesmo nesta coluna, que o que havia de mais inquietante na LIVRO 7 é que ela tivesse sido... permitida! Ali estava reunida toda a literatura "subversiva" que a ditadura censurara! Mas as ilusões políticas que nos alimentavam também faziam às vezes de motivo pra brincadeiras, inclusive, com alguns "revolucionários" que reuniam, em si mesmos, revolução e ingenuidade.

Certa noite apareceu uma garota no BAR 7 - vizinho à Livro 7 - bonita, sotaque sulista, militante da LIBELU (Liberdade e Luta), revolucionária, materialista dialética e Edmilson (o famoso Deprimilson) senta à mesa conosco, onde já estávamos - a jovem, Fernando Mota e eu mesmo - e inicia a seguinte conversa: -"Poeta (assim ele chamava Fernandão), gostei muito do seu artigo na Revista Brasileira de Astrologia sobre Astrologia Dialética, contestando a Astrologia Sistemática de Omar Cardoso. Gostei, sobretudo, da passagem sobre a "Lei do Desenvolvimento Necessário da Ação dos Astros como Realidade Objetiva", e a necessidade de uma teoria materialista para compreendê-la.

Os olhos maravilhados da garota se encheram de beata felicidade com a descoberta do... materialismo astrológico! Fernandão, claro, percebeu, e deu continuidade à farsa. É evidente que não havia artigo nenhum, mas nossa garota caiu na conversa com a mais ingênua crendice numa teoria dialética dos astros.

Quando a farsa foi revelada, lá pelas tantas, ela derrubou a mesa e foi embora xingando todo mundo (certamente lamentando que a conjunção de Saturno com Vênus na sétima casa não tivesse resultado numa síntese superior reunindo elementos da tese e da antítese). Seja como for, eu mesmo conheci muitos "materialistas" freqüentadores da LIVRO 7 que, anos depois, se tornariam astrólogos, curandeiros, leitores de aura, e outras terapias de inspiração... astro-dialética!

O curioso é que, até para nossas mais perversas brincadeiras, estavam por trás as leituras que fazíamos dos autores em quem acreditávamos e Tarcísio, agora Patrono da Leitura, estava ali juntinho do "Bar 7" fornecendo munição até pra nossas safadezas intelectuais!

Flávio Brayner, professor da UFPE

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