ARTIGO

Elite precisa reconhecer seu dever e preservar a democracia

No caso do Brasil, tivemos um período ditatorial de 1964 a 1989, portanto, nós, como elite empresarial, temos primeiro que entender a história e depois nos certificar de que evoluímos do estágio de educação para a democracia

Imagem do autor
Cadastrado por

Paulo Dalla Nora Macedo

Publicado em 15/05/2021 às 6:10
Artigo
X

A Economist, referência do liberalismo econômico, publicou recentemente "O Pesadelo de Madison", artigo que termina com uma advertência: "A era da ingenuidade democrática morreu em 6 de janeiro (data da invasão do Capitólio). É hora de uma era de sofisticação democrática". No cerne do texto, a receita de Alexis de Tocqueville em defesa da democracia: a constituição sozinha não resolve; um país deve ter uma população autossuficiente e instruída. E uma elite que reconhece que seu primeiro dever é "educar para a democracia". O chamado não poderia ser mais adequado para o momento atual do Brasil, no qual manifestações entoam mantras e lógica similares aos da súcia do Capitólio. Aquela é a verdadeira face do "antissistema". Na democracia liberal, essa não é uma "opinião" aceitável, vide a firme reação institucional do establishment, usado aqui no sentido positivo de elite, nos EUA.

No caso do Brasil, tivemos um período ditatorial de 1964 a 1989, portanto, nós, como elite empresarial, temos primeiro que entender a história e depois nos certificar de que evoluímos do estágio de educação para a democracia, como defendia Tocqueville. É fundamental para isso entender o período militar, especialmente o desempenho econômico do país à época.

A narrativa antidemocrática fala sobre crescimento e redução da pobreza, entretanto, deixa de fora uma parte cada vez mais crítica da equação de desenvolvimento atual: a desigualdade. Usando as lentes modernas de sustentabilidade, veremos que a desigualdade cresceu período ditatorial: nosso GINI (mais perto de 1 significa mais concentração de renda) atingiu 0,63 em 1989, o nosso pico histórico. No mundo econômico atual, sensível à desigualdade, esse nível seria classificado como uma marca desastrosa, com impactos negativos para os negócios, pois não cria um mercado consumidor e, muito menos, uma sociedade moderna.

Após o restabelecimento da democracia, de 1989 a 2018 (último número disponível), nosso índice GINI caiu de 0,63 para 0,54. Não é uma pequena conquista em quatro décadas tão tumultuadas. A alfabetização e o acesso à saúde também aumentaram tremendamente. O SUS, uma moeda decente, o controle da inflação e a abertura para o mundo também foram conquistas do período democrático. A notícia não muito boa é que a velocidade de melhoria da desigualdade é muito tímida, pois continuamos entre os países mais desiguais do mundo. Para fazermos melhor, é preciso ouvir o conselho de Tocqueville para a elite: promova a democracia. O processo democrático é barulhento e mais lento, mas é um processo mais seguro para levar ao desenvolvimento sustentável e justo que cria sociedades complexas e interessantes. Não faz sentido, econômico inclusive, uma parte significativa da elite não se importar que se vilipendie o conceito de democracia liberal no Brasil.

Paulo Dalla Nora Macedo, economista e vice-presidente da Associação Política Viva

Tags

Autor