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Uma catástrofe se aproxima: Democracia não pode servir às satisfações pessoais

Se o totalitarismo era o Estado que devorava a sociedade, na democracia é a sociedade que devora o Estado estendendo seus tentáculos para todo um modo de vida

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 18/05/2021 às 6:10
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Um número considerável de publicações recentes atesta uma inquietação intelectual crescente a respeito da democracia. Para isto basta observar seus títulos: "Como as democracias terminam"; "A tentação totalitária"; "O ódio à democracia"; "Por que nós não amamos a democracia". Tais ameaças não provêm de uma injunção "externa" ao regime democrático: vem de seu "interior"! É o próprio Homo Democraticus que não suporta mais o peso de certo estado de coisas produzido e reproduzido pela Democracia.

Certa vez, Tocqueville afirmou ("A democracia na América") algo assim: "Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia se produzir no mundo: vejo uma multidão inumerável de homens semelhantes e iguais que giram sem repouso sobre si mesmos para obter pequenos e vulgares prazeres, com os quais enchem suas almas. Cada um está como que alheio ao destino de todos os outros. (...) Acima deles se eleva um poder imenso e tutelar, que se encarrega de lhes assegurar o prazer e zelar por seu destino. Assemelha-se ao poder paterno, mas fixa-os irrevogavelmente na infância(...)". Assim, parece que há um ATOR responsável pelo "ódio à democracia": o consumidor obsessivo, imaturo, narcisista e hiper individualista!

Mas o ATOR anti-democrático contemporâneo vai muito mais longe: para ele é este "inconseqüente" "respeito às diferenças", a 'affirmative action' (que destrói a meritocracia), estabelece o reino universal de uma igualdade ilusória, arruína hierarquias tidas como "naturais" (de saber, de classe, de origem, de idade...) e que, resumidamente, se expressa numa tese: a boa democracia é aquela que reprime a catástrofe da civilização democrática, que se resume, por sua vez, num dilema: ou a democracia significa uma larga participação nas coisas públicas ou é uma forma de vida social que canaliza as energias para satisfações pessoais.

Se o totalitarismo era o Estado que devorava a sociedade, na democracia é a sociedade que devora o Estado estendendo seus tentáculos para todo um modo de vida, das relações familiares às pedagógicas, das profissionais às geracionais... E a ficção que alimentamos a respeito da "soberania popular" serviu apenas para alimentar as práticas da divisão do povo que os regimes representativos desempenham tão bem.

No fundo, são estes "homens normais", todos desejosos de felicidade privada, traduzida em "bens de consumo" que, por sua vez, se traduz em "qualidade de vida" que está cansado da responsabilidade pública, da Sociedade Civil, do Bem Comum, da Vontade Geral... Uma catástrofe se aproxima!

Flávio Brayner, professor da UFPE

 

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