OPINIÃO

O tempo está dentro de mim

De instante a instante, o Espaço e o Tempo acalentam novas dimensões

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 02/06/2021 às 6:10
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Olho o relógio. Não quero ver as horas. O tempo está dentro de mim. Prefiro olhar o céu na sua evidente clareza. Por vezes, tão azul, por vezes, cinza, outras, quase indefinido. Não sei explicar a comoção que em mim habita. Tudo me parece estranho quando busco perguntas existenciais. Minha alma viaja sem fronteiras e a sensação de nada saber me leva ao máximo de indefinições. Sinto o cheiro das folhas verdes, do tronco das árvores, do vento que me eleva ao cimo da montanha. Vários lugares ao mesmo tempo transformam-se em realidade. Não adianta enganar-me, o Eu múltiplo se manifesta a cada instante, de um jeito, de outro, de todos os jeitos... A paisagem não se define, eu própria a modifico para reanimar o projeto de vida. Ando devagar, cada passo ganha o seu ritmo, há tantas dubiedades que jamais sei onde estou. Ainda bem. Os múltiplos caminhos ajudam a escolher o que quero e o que não quero. Será mesmo que algum dia saberei? Não. Não me ensinem, aprecio a hesitação, assim me elevo em montanhas invisíveis. Sigo sem rumo à procura dos desejos. E entrego-me ao poeta: "Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?/Será essa se alguém a escrever,/A verdadeira história da Humanidade./ O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;/O que não há somos nós, e a verdade está aí."

Por mais que prossiga na inesperada meditação, nada se modificará nos projetos interiores. Quantas suposições me afligem! A nadificação ganha proporções que jamais consigo explicar. De instante a instante, o Espaço e o Tempo acalentam novas dimensões. Não fujo dos desafios, enfrento-os na tentativa de apaziguar a pequenez que me invade. Medito sem parar numa sequência enlouquecedora, indo e vindo na proporcionalidade dos passos. Tenho apenas duas mãos para afagar a vida. Há tantos dogmas espalhados pelo ar que jamais conseguirei entender-me. Tampouco almejo. Seria o mesmo que anular-me por inteiro. E a infância chega para complementar-me. Lá atrás, todos os sonhos adquiriam a magnitude do verossímil. Mas as certezas se foram com o caminhar da idade. Resta-me a diminuta dimensão do que ainda posso fantasiar.

Nunca me preocupou inventar a vida. Pelo contrário. Nada melhor do que construir castelos com autenticidade. Ainda hoje os habito tocada por múltiplas interiorizações. Aí mora a inconstante ilusão que em algum momento me invade. Talvez o cansaço da procura confunda as possíveis miragens. Não posso nem quero perder a esperança de cada dia. Urge alimentar as paixões por alguma coisa, mesmo que a fantasia predomine sempre; fábulas não se repetem, dinamizam-se.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

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