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Papa Francisco, pandemia e álcool

"O Papa brincou conosco, disse que bebemos demais e oramos de menos. Pela autoridade de quem fala, desperta no mínimo curiosidade". Leia o artigo de Ermano Melo

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ERMANO MELO

Publicado em 10/06/2021 às 6:19
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O Papa brincou conosco, disse que bebemos demais e oramos de menos. Pela autoridade de quem fala, desperta no mínimo curiosidade. Artigo recente no The Atlantic, de Kate Julian, ilumina um pouco essa relação conflituosa desde que uma mutação há 10 milhões de anos permitiu-nos metabolizar o álcool 10 vezes mais que outros mamíferos. Enzimas especiais salvaram primatas pela ingestão de frutas fermentadas na escassez; a sopa batizada deixou os hominídeos mais alegres, cooperativos e sociáveis, criando vantagem sobre tribos sóbrias e garantindo que seus genes chegassem até nós, permitindo a happy hour e a eucaristia com vinho. Uma benção divina.

A religião foi fundamental na construção da civilização, pois pela crença nos tornamos mais solidários, cooperativos e menos agressivos. Ironicamente, esse também foi o papel do consumo moderado de álcool segundo a autora. Através de bebidas ao longo dos séculos, houve bem mais diálogos, risos, abraços, amizades e criatividade, deixando povos abstêmios em desvantagem.

A chegada da bebida destilada na China no séc. XII e na Europa no XVI aumentou os problemas. A mutação não foi para tanta concentração alcoólica e povos que preferem essa opção têm mais riscos, vide os russos e a vodka (quem se lembra do vexame de Bóris Iéltsin?). Os italianos bebem mais vinho e em refeições, não à toa apresentam o menor índice de alcoolismo do mundo. Americanos tem uma relação bipolar, ora bebem muito, ora criam a lei seca. Com a pandemia, estão em alta. Aqui em Pernambuco há a perigosa cultura do uísque, legado dos usineiros e do famoso Bar 28; bebemos scotch até na praia, é status. Pernambucano é um caso a ser estudado.

Churchill garantiu a cerveja de suas tropas tanto na primeira como na segunda guerra - claro que tinha a sua Pol Roger. Ele, aliás, foi quem afirmou que há dois tipos de bebedores ruins: os que bebem demais e os que bebem de menos. Kate Julian assim sintetiza: Destilados em bebedores solitários é o maior risco enquanto bebidas fermentadas durante as refeições com a família têm efeitos positivos. Dois extremos.

A Covid fechou bares e restaurantes e com isso tirou o melhor da bebida: a roda de amigos e familiares. Não é o álcool que traz vantagem aos humanos e sim a amizade, a fraternidade e o diálogo. O uso moderado de vinho, cerveja e uísque apenas facilitam. Cheers !

Ermano Melo, oftalmologista

 

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