Tristeza e revolta ao pensar no que poderia ser feito para evitar muitos dos casos da covid-19
"Não será mirando no olho e disparando. Não será com jatos de pimenta, politização e insensibilidade que venceremos a pandemia". Leia a opinião de Sérgio Gondim
A análise dos números superlativos da pandemia é muito chocante para quase todo mundo, principalmente para quem está na batalha por cada uma das vidas. Há um misto de tristeza e revolta, pensando no que poderia ser feito para evitar muitas das contaminações.
Não seria apostando no absurdo da imunidade coletiva natural, ao preço de tantas vidas e, quem sabe, tendo que começar tudo novamente depois de um ano, se a proteção conferida pela doença for mesmo temporária como parece.
Não deveria ser desmoralizando os técnicos do ministério da saúde, dando ouvidos à fanáticos sussurrando desatinos na surdina. Não é tomando partido automaticamente, sem crítica nem autocrítica, enquanto o vírus aproveita e se espalha indiferente, favorecido pelo despreparo.
Não será dizendo ser cientista, que estudou muito, o suficiente para ser contra vacinas e insistir em remédios que só contribuem para relaxar no uso de máscaras e distanciamento. Não é persistindo nos erros, nem se rodeando por quem só quer obedecer e errar ainda mais. Não será desprezando a prevenção básica, aglomerando em comícios ou festas, permitindo passivamente a lotação absurda no transporte coletivo, nem contando errado o número de mortos.
Não é desviando recursos públicos, um crime inacreditável na pandemia. Não será passeando de motocicleta, nem colocando a torcida nas ruas para comemorar o gol. Não é bradando o direito individual de ir e vir, às custas da transmissão do vírus. Não vai ser torcendo contra uma vacina, nem dificultando a produção. Não é sendo o único no mundo marchando em passo diferente, como se fosse o certo, perdendo tempo, dispersando recursos e energia, confundindo, atrasando e envergonhando a nação.
Não é trincando os dentes nas redes sociais, expressando ódio, preconceito e desamor, se fechando em grupos radicais, desqualificando quem pensa diferente, tirando do armário instintos perversos que inviabilizam velhas amizades. Não é usando a ciência para fabricar notícias falsas, disseminando-as com técnica competente que as transforma em verdades absolutas e imutáveis, enganando tantos de boa-fé.
Assim, vamos chegando a meio milhão de mortos. Muitas pessoas queridas, quanto prejuízo. Um vírus em um momento histórico infeliz.
Não será mirando no olho e disparando. Não será com jatos de pimenta, politização e insensibilidade que venceremos a pandemia.
Sérgio Gondim, médico
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC