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Quem sou eu para decifrar o céu e a terra?

"Quem sou eu para decifrar o céu e a terra? Apenas uma mera visitante do enfeitiçado cotidiano. Nada mais. Então, exalto, na mais ardente vibração, o Ato de Pensar". Leia o texto de Fátima Quintas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 16/06/2021 às 6:12
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Isolada ou em conjunto, representa o que se deseja dizer, mas a busca da Forma é o que lhe confere a beleza do exprimir. Escrever é difícil porque exige a transfiguração da letra. Importa a consciência de um retrato que se revela no papel. Não posso deixar de confessar: tenho medo da página em branco. No entanto, sinto-me atraída pela revelação dos segredos que guardo dentro de mim. Revelação e, ao mesmo tempo, uma grande reclusão. As ideias se confundem entre o ir e o não ir — clara e confusa ambivalência. São tantos os Eus em antagonismos que a vida se torna um permanente conflito: caminhada entre becos e mais becos. As linhas retas se perdem em meio às nossas próprias interrogações. Não se pode esconder o excelso poder de perguntar.

Será que pensar revela o maior instrumento da humanidade? Creio que sim. Quantas vezes me renovo após uma profunda reflexão! Jamais desisto de procurar-me, ando por mil estradas, todas complexas na sua tortuosa inspiração. Sem dúvida, o estremecimento do revelar-se enriquece a alma. Não me canso de esmiuçar os esconderijos que me habitam. Tantos e tantos! Jamais os encontrarei. Tenho consciência do tamanho das hesitações, ainda que as impossibilidades me estimulem a seguir o rodeio que me cerca. Somos todos iguais, difusos e absolutamente perplexos. Não adianta enganar-se a si próprio. Ou, talvez, adiante. Quantas vezes sigo e retorno, círculo que se mantém hirto e indiferente aos nossos diálogos! Talvez monólogos que

Isolada ou em conjunto, representa o que se deseja dizer, mas a busca da Forma é o que lhe confere a beleza do exprimir. Escrever é difícil porque exige a transfiguração da letra. Importa a consciência de um retrato que se revela no papel. Não posso deixar de confessar: tenho medo da página em branco. No entanto, sinto-me atraída pela revelação dos segredos que guardo dentro de mim. Revelação e, ao mesmo tempo, uma grande reclusão. As ideias se confundem entre o ir e o não ir — clara e confusa ambivalência. São tantos os Eus em antagonismos que a vida se torna um permanente conflito: caminhada entre becos e mais becos. As linhas retas se perdem em meio às nossas próprias interrogações. Não se pode esconder o excelso poder de perguntar.

Será que pensar revela o maior instrumento da humanidade? Creio que sim. Quantas vezes me renovo após uma profunda reflexão! Jamais desisto de procurar-me, ando por mil estradas, todas complexas na sua tortuosa inspiração. Sem dúvida, o estremecimento do revelar-se enriquece a alma. Não me canso de esmiuçar os esconderijos que me habitam. Tantos e tantos! Jamais os encontrarei. Tenho consciência do tamanho das hesitações, ainda que as impossibilidades me estimulem a seguir o rodeio que me cerca. Somos todos iguais, difusos e absolutamente perplexos. Não adianta enganar-se a si próprio. Ou, talvez, adiante. Quantas vezes sigo e retorno, círculo que se mantém hirto e indiferente aos nossos diálogos! Talvez monólogos que não se encerram no dia a dia. Jamais esmoreço diante do que não sou; ânsia que cresce desarvoradamente. Por mais que conviva com meus limites, não desisto de questioná-los. E o poeta me persegue: "Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação./ Quero fazer isso agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;/ Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!"

A força metafórica de Fernando Pessoa me encanta. Dúvidas explodem, são elas, contudo, que fortalecem o cotidiano. Vale a pena insistir na procura de alguma coisa, sempre e sempre, sem desistência. O mistério me fascina, ao mesmo tempo que me torna cada vez menor. A ansiedade, todavia, consolida a força da resistência. Em todos os lugares, há um pouco de mim, basta perscrutar. Minuto a minuto, cresço ou diminuo, instância que agiganta os próprios delírios. Gosto de acumulá-los para tê-los em abundância. Nada de reduzir os duelos que invadem a mente. Melhor concebê-los na infinitude do que não sei. Que o derredor estimule os anseios, um por um, única maneira de ampliar a interioridade. O sim e o não estão sempre juntos em indefinidos antagonismos. A multidão me cerca entre o que há de mais incógnito na sua deslumbrante diversidade. O outro me representa; cada um, com o seu jeito de acatar o metafórico. Quem sou eu para decifrar o céu e a terra? Apenas uma mera visitante do enfeitiçado cotidiano. Nada mais. Então, exalto, na mais ardente vibração, o Ato de Pensar.

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

 

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