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Revisão da lei da improbidade administrativa: a pressa aniquila o verso

"Com esse método de votar de afogadilho matérias de grande interesse público, os eventuais aspectos positivos dessas matérias, terminam sob compreensível suspeição"

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Tadeu Alencar

Publicado em 26/06/2021 às 6:08
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A Lei 8.429/92, lei da improbidade administrativa, completa 30 anos. É inconteste a sua importância no combate à corrupção, devendo-se reconhecer a sua relevância e a necessidade de fortalecê-la. Deve-se também indagar se, na sua aplicação, tudo decorreu a contento. A toda evidência que não. Verificaram-se problemas sobre os quais o Congresso Nacional não se poderia omitir. Isso para que a Lei n. 8.429/92 continue a punir com severidade o ato ímprobo, que é ilegalidade qualificada, desonestidade, desvio de dinheiro público, corrupção; mas, ao mesmo tempo, que a lei possa ter discernimento em sua tipologia normativa, em diferenciar essas graves condutas, daqueloutras que, embora configurem irregularidade, não se equiparam, sequer se aproximam, da gravidade do ato de improbidade e que, por isso mesmo, não devem ser punidas com o rigor das sanções legais instituídas na lei em vigor.

O rigor, muitas vezes indistinto das sanções aplicáveis em decorrência de tipos abertos, não deve ter como efeito colateral, desestimular a participação de gestores reconhecidamente honestos. Presidi a Comissão Especial que debateu a matéria (PL 10.887/18, decorrente de comissão de juristas, coordenada pelo Ministro Mauro Campbell, do STJ). Ouvimos 60 especialistas, em 11 audiências públicas e 3 seminários realizados em Recife, São Paulo e Porto Alegre.

Com a pandemia o relatório não pôde ser votado na comissão especial. No último dia 15.06, foi apresentado o relatório final pelo dep. Carlos Zarattini, apreciado pelo Plenário da Casa com menos de 24 horas, inviabilizando o debate democrático, a transparência, a reflexão cuidadosa, e, mesmo, a compreensão sobre a necessidade, indiscutível, de boa-fé, de uma atualização da lei.

Com esse método de votar de afogadilho matérias de grande interesse público, os eventuais aspectos positivos dessas matérias, terminam sob compreensível suspeição. Por isso que reagiram com indignação todas as instituições e organismos de combate à corrupção que, sem tempo de um debate franco, só viram na iniciativa uma ação orquestrada, para enfraquecer a luta, de toda a sociedade - e também de muitos que votaram a favor da alteração da lei - pela afirmação da ética republicana. Afinal, em plena pandemia, com múltiplas crises que se abatem sobre o País, deveria o parlamento ter evitado mais esse sinal trocado, que só aumenta a desconfiança da população com a política. Por isso, votei contra, mesmo admitindo a necessidade de uma atualização da lei, para lhe conferir ainda maior eficácia. Perdemos ótima oportunidade de fazê-lo da maneira adequada. 

Tadeu Alencar, deputado federal pelo PSB

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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